Há 31 anos o dia 17 de maio é reconhecido como o Dia Internacional Contra a LGBTfobia. A data remete à histórica conquista ocorrida no ano de 1990, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a categoria “homossexualidade” da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). Três décadas depois, além de celebrar as vitórias do passado, o 17 de maio também aponta para os desafios da população LGBTI+ no presente e no futuro.
Camila Marins, jornalista e editora da Revista Brejeiras – uma publicação feita por e para lésbicas – defende que a memória de luta resgatada no dia 17 de maio é não só importante, como necessária nos dias atuais. Apesar de registrar avanços como o casamento igualitário, o direto à autodeterminação de gênero, e a criminalização da homofobia e da transfobia, segundo ela, persiste ainda hoje um movimento conservador e fundamentalista de extrema de direita que segue tentando “patologizar” os corpos, desejos e identidades das pessoas LGBTI+. A chamada “cura gay” seria o exemplo mais claro dessa visão que ainda trata como doença toda identidade de gênero que foge ao padrão cisgênero – a identificação da pessoa com o sexo biológico – e heterossexual.
“Só que não existe cura para o que é amor. Não existe cura para a identidade de gênero. Não existe cura para quem nós somos. O que existe na realidade é um projeto fundamentalista amparado no modelo de negócios a partir dos nossos desejos e das nossas identidades”, afirma a ativista.
Mas, afinal, o que é LGBTfobia?
De acordo com decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, define-se por LGBTfobia toda e qualquer conduta que envolva aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, e que possa gerar dano moral ou patrimonial, lesão ou qualquer tipo de sofrimento físico, psicológico, sexual ou morte. Como não existe ainda uma lei específica para a criminalização da LGBTfobia no Brasil, tal prática foi enquadrada pelo STF como crime de racismo, nos moldes da Lei n.7716/89. Os ministros entendem que o crime de racismo abrange toda manifestação de poder de um grupo hegemônico que tenta subjugar, inferiorizar e marginalizar outros por integrarem um grupo vulnerável.
Segundo nota técnica divulgada em dezembro de 2020 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a LGBTfobia ocorre em diversos espaços, mas principalmente no âmbito familiar e doméstico. O relatório aponta que, em 2019, cerca de 35% das mortes de pessoas LGBTI+ ocorreram na residência da vítima, enquanto pouco mais de 21% ocorreram em vias públicas.
Em boletim divulgado em junho de 2020, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) estima que, no período de pandemia, 70% das LGBTI+ cumprindo isolamento social junto a familiares acabaram sendo vítimas de algum tipo de violência e 45% apresentaram algum problema de saúde mental. A associação também registra que, no mesmo ano, 175 transexuais foram mortos vítimas de LGBTfobia em território nacional, o que conferiu ao Brasil o título de país que mais mata pessoas trans no mundo.
“Apagão” de dados e a garantia de direitos
Embora haja um esforço coletivo por parte das organizações ligadas às causas LGBTI+ para gerar informações sobre a LGBTfobia no país, a carência de dados governamentais ainda se impõe como obstáculo para o combate a esse tipo de violência. De acordo com Camila Marins a luta pelos dados é fundamental para identificar ocorrência de práticas LGBTfóbicas e para combatê-las através da elaboração e aplicação de políticas públicas voltadas para a garantia de direitos da população LGBTI+.
“Para avançar, a gente precisa ter o quantitativo, a qualificação da política pública. E isso significa instaurar marcadores sociais de identidade de gênero e orientação sexual de forma transversalizada. Precisamos desses marcadores nos boletins de ocorrência, nos boletins epidemiológicos e em toda e qualquer política pública que a gente vá fazer referenciando a população LGBTI+. Porque é assim que a gente consegue analisar e propor políticas públicas qualificadas que deem conta das demandas específicas dessa população”, explica a jornalista.