Na última quinta-feira (31), véspera do dia 1º de abril, popularmente conhecido como Dia da Mentira, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) apresentou, em Brasília, o relatório final do Projeto de Lei 2630/2020, o chamado “PL das Fake News”.
Segundo o relator da proposta na Câmara, além de combater a desinformação e a disseminação de notícias falsas na internet, o projeto busca aperfeiçoar a legislação brasileira referente à liberdade, à responsabilidade e à transparência na rede. Para que as regras elencadas no texto sejam aplicadas nas eleições deste ano, Silva espera que o Plenário da Câmara vote o requerimento de urgência para a matéria já na próxima semana e que o Congresso conclua a votação da proposta ainda em abril.
A questão começou a ser discutida nas eleições de 2018, quando explodiram no país os disparos em massa de notícias falsas ao eleitorado. A primeira versão do PL que institui a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, foi aprovada em 2020 pelo Senado Federal. O grupo de trabalho (GT) da Câmara que analisou a matéria concluiu a votação do relatório em dezembro do ano passado. Por conta das modificações feitas pelo GT da Câmara, mesmo sendo aprovado na Casa, o PL deve voltar ao Senado para nova apreciação.
As normas estabelecidas pelo projeto devem se aplicar a provedores de redes sociais, ferramentas de busca e de mensagens instantâneas que ofertem serviços ao público brasileiro. De acordo com Silva, se for aprovada a tempo, a lei “pode ajudar a ter eleições mais seguras e confiáveis, a combater a desinformação nos serviços de mensagem e a criar restrições para agentes públicos manejarem seus cargos e utilizarem estruturas públicas para servir à desinformação”.
Embora reconheçam a importância da proposta de regulação das plataformas para a garantia dos direitos digitais de milhões de brasileiras e brasileiros, organizações como a Coalizão Direitos na Rede (CDR) e o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) defendem que alguns pontos do projeto ainda precisam ser ajustados para que a lei, de fato, cumpra com seus objetivos.
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Pontos fracos
Em nota publicada na última quarta-feira (28), o ITS afirma que o texto atual do PL das Fake News “trata de questões que vão muito além do combate à desinformação e representa a maior transformação nas leis sobre Internet no Brasil em quase uma década”. No documento, o Instituto lista dez “pontos de atenção” da proposta, dos quais se destacam os referentes à atividade de parlamentares nas redes, à possibilidade de remuneração de veículos de imprensa pelos provedores e às estratégias e medidas de moderação de conteúdo.
Em relação ao uso das redes por parlamentares, o ITS chama atenção para o dispositivo do PL que estabelece que a imunidade parlamentar em relação a opiniões será estendida às redes sociais. Segundo o instituto, “é fácil perceber como esse dispositivo vai desestimular que empresas de redes sociais atuem para moderar o conteúdo publicado por congressistas”. O ITS ainda acrescenta que a medida pode servir de “passe livre para que contas de deputados e de senadores possam ser usadas para ampliar a disseminação de notícias falsas e desinformação nas redes”.
Em defesa da proposta, o deputado Orlando Silva garantiu que a imunidade não impedirá a ação da Justiça. Ele, inclusive, citou o caso do deputado Daniel Silveira (União-RJ), preso em fevereiro do ano passado após publicar vídeo com ameaças e xingamentos a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como exemplo de que “a imunidade parlamentar material não serve para proteger nem abrigar crime nem criminoso”.
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O ITS também criticou a proposta incluída no texto do PL que prevê a remuneração de veículos de imprensa pelo uso de conteúdo jornalístico em provedores de redes sociais e ferramentas de busca. Embora a medida tenha como objetivo valorizar a informação produzida pelo jornalismo profissional como forma de combater a desinformação, o Instituto destaca o risco de que a remuneração seja destinada apenas a grandes grupos de mídia em detrimento de veículos locais e independentes, aumentando a concentração no setor. Além disso, argumenta que “os provedores poderão ser obrigados a remunerar veículos que se valem de uma roupagem jornalística para espalhar notícias falsas e desinformação”.
No mesmo sentido, a Coalizão Direitos na Rede afirma que “o texto sobre conteúdos jornalísticos permanece frágil, sem deixar claro o que é passível de remuneração e possibilitando assimetrias.” Para a CDR, tal proposta deveria ser suprimida do texto do PL e o tema deveria ser tratado em legislação própria.
As organizações também alertaram sobre o dispositivo que estabelece que as empresas descrevam as ferramentas de inteligência artificial usadas para reconhecer conteúdos ilícitos (art. 9o, §1o, VIII; art. 10, §1o, IX) e informem “critérios e procedimentos utilizados” na moderação automatizada (art. 15, I, d). Neste caso, o ITS considera que a “fronteira entre a transparência e a divulgação de informações que favorecem a prática de atores mal-intencionados é fina” e que, ao cumprir com a norma e informar sobre a moderação de conteúdo automatizados, os provedores podem “entregar o ouro para o bandido”.
No que tange a moderação de conteúdos, a CDR destacou a retomada, no texto atual, da obrigação das plataformas comunicarem publicamente equívocos que praticarem ao analisar publicações dos usuários. Mas lamentou que “a importante obrigação desse aviso ter alcance proporcional ao dano causado” foi retirada
Positivos
No texto apresentado por Orlando Silva na última quinta-feira, as redes sociais, ferramentas de busca e aplicativos de mensagem passam a ser tratados como “veículos de comunicação social” (art. 2 a §2o) e, assim, passam a ter regulação semelhante a de jornais, rádios e TVs. De acordo com o relator da proposta, a equiparação “serve apenas e somente para que a eficácia da Justiça eleitoral se dê plenamente quando houver o abuso na atividade nesses espaços” pois, desta forma, as mídias sociais ficariam sujeitas às regras do artigo 22 da Lei de Inelegibilidade (Lei Complementar 64/90).
Para a CDR, a redação anterior do PL era “mais genérica e abria espaço para interpretações de equiparação em diferentes contextos”. De forma que para a Coalizão, “a redação mais específica ajuda neste sentido”. A organização também considerou positivo que “apesar da pressão pela volta de uma rastreabilidade massiva de dados, que ameaça a privacidade dos usuários, ela segue fora do PL”. Para a CDR, “o caminho previsto, de ordem judicial com pedido específico e justificado para guarda de dados para investigações por até 15 dias, é o adequado”.
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Dentre as modificações acrescentadas ao texto pela Câmara vale ressaltar ainda que a a proposta passou a considerar as contas institucionais de órgãos públicos e agentes políticos nas redes sociais como perfis “de interesse público”. Assim, tais contas passam a ser impedidas de, por exemplo, bloquear usuários.
No artigo 12, o PL das Fake News também determina que os aplicativos de mensagem restrinjam a inclusão em grupos e listas de transmissão através da criação de “mecanismo para aferir consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos de mensagens, listas de transmissão ou mecanismos equivalentes”. A norma também estipula limites para a prática de encaminhamento de mensagens ao estabelecer que as empresas provedoras “devem projetar suas plataformas para manter a natureza interpessoal do serviço e limitar a distribuição massiva de conteúdos e mídias”.
Vigência
Segundo Orlando Silva, o novo texto do PL das Fake News fixa prazos diferenciados para o cumprimento dos diferentes dispositivos da lei. A equiparação das mídias sociais aos meios de comunicação social, por exemplo, passaria a valer assim que o projeto fosse aprovado e publicado. Para outros pontos, como o que envolve a produção dos relatórios de transparência, o prazo para entrar em vigência pode variar de 90 dias a um ano.