Redação
O ano de 2023 será de reconstrução para o jornalismo brasileiro. É o que aponta a sétima edição do projeto “O Jornalismo no Brasil”, publicada na última segunda-feira (12) pela plataforma de jornalismo independente Headline.
Produzido anualmente pelo Farol Jornalismo e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o projeto reúne reflexões de jornalistas e pesquisadores sobre o que esperar do jornalismo no próximo ano. Em 2022, a publicação aborda temas como política e desinformação, jornalismo e crise climática, jornalismo de dados, jornalismo e territórios, jornalismo em áudio e ética jornalística. Também estão presentes discussões sobre gênero, igualdade e diversidade, estratégias de otimização para mecanismos de busca (SEO) relacionadas ao jornalismo e o futuro da mídia bolsonarista.
Os nove autores e autoras convidadas para compor o projeto destacam que embora a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência da República projete “um cenário de certa normalidade democrática em que os ataques ao jornalismo devem diminuir”, os profissionais da imprensa não terão descanso em 2023. Segundo os organizadores da publicação, o ano que se aproxima “sugere vigilância contínua e disposição em transformar esse legado doloroso em avanços”.
“Apesar do cansaço acumulado, o próximo ano não será de descanso para o jornalismo brasileiro. A violência — embora, esperamos, não praticada pelo Estado — seguirá uma realidade, a desinformação permanecerá onipresente e a democracia precisará ser reconstruída. 2023 será um ano de reconstrução. Para a democracia brasileira e para o jornalismo”, define o texto de apresentação do projeto.
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Entre os colaboradores da edição estão Natalia Viana, diretora executiva da Agência Pública; Denise Mota, editora na AFP e colunista na Folha de S.Paulo; Tiago Rogero, gerente de criação na Rádio Novelo; Rafiza Varão, pesquisadora e professora da Universidade de Brasília (UnB); Maristela Crispim, editora-chefe da Agência EcoNordeste; e Isabelle Maciel, cofundadora e editora-chefe do Tapajós de Fato.
O projeto também reúne textos de Isabela Sperandio, gerente de marketing digital e audiências no JOTA; Jacques Mick, pesquisador e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Lucas Thaiynan e Graziela França, da Agência Tatu.
Territórios
Ao projetar os possíveis rumos da atuação de jornalistas e comunicadores locais em 2023, Isabelle Maciel resume a análise em três palavras: resistência, esperança e independência.
Para a editora-chefe do Tapajós de Fato, possui o papel fundamental “de ecoar vozes e realidades que muitas vezes não têm espaço na grande mídia tradicional brasileira”. Outro ponto destacado pela jornalista é “a forma como são abordadas as construções de reportagens, que acabam combatendo os estereótipos impostos pelas grandes mídias, que muitas das vezes têm uma ideia formada sobre determinadas regiões e as replicam como verdade única para suas audiências”.
Em relação à resistência, ela lembra que “ao mesmo tempo em que o jornalismo local é ‘arma’ de defesa para o povo, ele vê armas apontadas para si”, que vão desde ataques em redes sociais, tentativas de derrubar sites ou blogs, ameaças por ligação ou pessoalmente, ataques físicos e até assassinatos de comunicadores.
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Por outro lado, como esperança, Maciel pondera que “se durante todos esses anos o jornalismo local viveu sob ameaças e ataques de quem ocupou o cargo de presidente do Brasil, agora se inicia o momento de dar novos passos”. E é justamente sobre esses passos que a comunicadora ressalta o valor da independência:
“Minha principal aposta nos primeiros passos dessa caminhada é o fortalecimento e criação de mídias independentes, que são estratégias fundamentais para que o jornalismo local cumpra de maneira pontual a sua atuação. Pois uma imprensa livre e comprometida apenas com o povo é a chave para uma comunicação mais acessível, e que não é focada apenas em números de audiência, mas sim em ecoar as realidades de onde pertence”, afirma.
Áudio
Na parte que trata sobre os caminhos do jornalismo em áudio em 2023, Tiago Rogero, sinaliza um cenário promissor, em especial para a produção de podcasts. Contudo, ressalva que os produtores de conteúdo terão como desafio “fortalecer formas variadas de financiamento” para “contornar fórmulas importadas e contar histórias mais diversas”.
O gerente de criação na Rádio Novelo observa que, assim como nos Estados Unidos, três gêneros em específico geralmente ocupam os primeiros lugares do ranking de podcasts em plataformas de streaming no Brasil: “os programas de true crime (os que ‘investigam’ crimes reais), os de entrevistas/conversas apresentados por celebridades — e que têm, como convidados, outras celebridades — e os de ‘autoajuda’ (emocional, espiritual ou financeira)”.
“Importar ou se inspirar em formatos vindos dos EUA está longe de ser um problema. O que preocupa é a mentalidade do mercado de só investir no que (teoricamente) dá audiência”, pondera o jornalista. E acrescenta:
“Nada contra nenhum desses três gêneros, aliás, quando feitos com responsabilidade — o que é o caso da maioria. O temor aqui é que, com o tempo, nossa “aquarela” acabe praticamente reduzida somente a essas três ‘cores’ — ao menos como foco de investimento e financiamento”.
Neste cenário, segundo Rogero, o esforço de consolidação do podcast como plataforma jornalística no Brasil passa pelo “fortalecimento de formas variadas de financiamento”.
“Se não diversificarmos as receitas, correremos cada vez mais o risco de sermos ditados somente pela expectativa de audiência. Em 2023, o jornalismo em áudio no Brasil tem tudo para reeditar um já tradicional desafio do jornalismo: se nos guiarmos somente pelo que se acha (muitas vezes por puro ‘achismo’, mesmo) que dará audiência, quantas histórias incríveis e importantes deixaremos de contar?”, conclui.
Edição: Jaqueline Deister