Tempos difíceis! Violência política, violência de gênero, violência institucional, violência policial, violência! É como a nossa sociedade vem sendo pautada com uma frequência assustadora.
Não é de hoje que os meios de comunicação optaram por estabelecer a banalização da violência como pauta principal nos noticiários e programação. De manhã, de tarde, à noite. Qualquer horário, qualquer canal de TV aberta e agora num alcance bem maior, disseminados em grupos de WhatsApp e outros aplicativos em smarthphones. Hoje recebemos imagens de tragédias quase que simultaneamente ao fato. Todo o episódio que resultou a morte do guarda municipal e tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) em Foz do Iguaçu, no Paraná, Marcelo Arruda, também repercutiu nas redes sociais desta forma!
Vivemos um tempo de total falta de consciência sobre a gravidade do que são colocados todos os dias como programação e como isso funciona na cabeça das pessoas. Há mais de 15 anos, estava eu na assessoria de comunicação da Secretaria da Segurança Pública de Goiás, como gerente de comunicação. Havia (ficou um tempo fora do ar, mas recentemente vi que voltou, infelizmente!) um programa especialista em repercutir as ocorrências policiais.
A especialidade do apresentador/repórter era explorar imagens chocantes: pessoas mortas, baleadas e em acidente de carros. Em outros momentos a prisão de alguma pessoa, acusada de algum delito, que ali na frente das câmeras era execrada por ele. Cada vez mais, as polícias também aderiram ao programa. Não tinha o distanciamento necessário. Os papéis se confundiam. Policial passava a ser editor, pautando notícias que lhe eram convenientes que fossem divulgadas, enquanto o apresentador/repórter ditava o que queria gravar, mostrar para as câmeras! Durante o tempo em que estive à frente da gerência de comunicação enfrentei e consegui colocar limites em momentos que o apresentador/repórter queria entrar no Instituto Médico Legal (IML) e gravar os corpos nas câmaras frias.
Qual o limite?
O marketing político que fez o atual presidente da República chegar ao cargo também foi baseado nesta política da banalização da violência. Lembram das frases de efeito do político/candidato? “O erro da ditadura foi torturar e não matar”; “Não te estupro porque você não merece”; “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra”; “Vamos fuzilar a petralhada!”.
Na verdade, foi todo um discurso voltado para as pessoas que já se acostumaram a ser bombardeadas com fatos violentos, banalizados pela mídia e que acreditam que as soluções dos problemas se dão através da violência: – “bandido bom, é bandido morto”! As pessoas não conseguem fazer uma análise do que está por trás de todo este discurso. Não conseguem nem mesmo pensar um mundo sem violência! Tudo foi naturalizado!
Volto no artigo anterior – Qual o real conceito por trás da “liberdade de imprensa” -, publicado neste veículo em junho, quando lembro da necessidade de regulamentação dos meios de comunicação.
Os meios de comunicação, e isto vale para as redes sociais, não podem ser “terras sem leis”, e regulamentar não significa censurar! Mas, sobretudo, normatizar e estabelecer regras importantes para a sociedade. Afinal de contas, nossa sociedade está baseada em normatizações, em regras necessárias para a vida social, e com a comunicação não deve ser diferente! Mais uma vez os meios de comunicação tem se tornado uma ferramenta cada vez mais perigosa e, portanto, é preciso ser reestruturada, repensada, em prol da democracia e, por que não dizer, em prol de uma sociedade saudável.
Banalização
A filósofa alemã Hanna Arendt escreveu sobre a banalidade do mal em seu livro intitulado, “Eichmann em Jerusalém”, que é fruto das observações da escritora sobre o julgamento de um oficial nazista em Jerusalém.
No livro ela sugere que Eichmann era desprovido de senso de pensamento crítico, no sentido de não saber questionar nada e de não refletir sobre seus atos, desprovido de moral, ética e senso crítico – qualquer semelhança com o que vemos nos dias de hoje nas redes sociais e nos meios de comunicação não é mera coincidência! Daí, a conclusão da escritora, que a banalidade do mal se resume na mediocridade de não pensar.
Hanna Arendt traz elementos para identificar a banalidade do mal, que creio ser pertinente compartilhar neste espaço para pensarmos criticamente o momento atual e termos a clareza da importância do nosso papel enquanto pessoas militantes e defensoras de uma comunicação democrática que se baseia em uma ética do cuidar e do bem viver:
- Nas sociedades de massa, os valores tradicionais são diluídos e relativizados, em cujo lugar se perpetuam os valores ideológicos do partido e de seu projeto de poder;
- o indivíduo massificado, incapaz de pensar por si, fazer reflexões e construir noções éticas individuais, torna-se uma ferramenta nas mãos do partido;
- as ordens do partido, governo ou grupo são emitidas por superiores e os membros do baixo escalão apenas executam;
- a execução de ordens é a mera obediência cega, independentemente se o partido pede para organizar distribuição de alimentos ou o extermínio de um grupo étnico;
- o cidadão massificado executa as ordens, não por ódio, por haver um mal em seu coração ou por premeditar atrocidades, mas o mal que faz é fruto da não consciência de seus atos;
- assim, o mal torna-se um ato banal, uma mera execução de técnica de ordens.
Em ano eleitoral onde a violência está cada vez mais latente, não percamos de vista que não estamos lidando com casos isolados, existe um projeto da “banalização do mal” em curso, não podemos ignorá-lo. É preciso muita sensatez e batalha diária para o enfrentamento e destruição deste projeto. Por nós, pela sociedade, pela democracia!
3 Comentários
Ótimas pontuações sobre o que temos vivido Geralda!
Obrigada pelo comentário.
Obrigada