O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, informou nesta segunda-feira (28) que levará “com urgência” ao plenário da Corte a decisão do ministro Raul Araújo que proibiu manifestações políticas durante a realização do festival Lollapallooza, em São Paulo.
Segundo Fachin, trata-se de uma decisão “monocrática” que deve ser revista pelos demais integrantes do Tribunal assim que o processo for liberado por Araújo, relator da matéria. Em comunicado à imprensa, o presidente do TSE indicou ser contrário à decisão do colega e garantiu que “a posição do Tribunal será a decisão majoritária da Corte, cujo histórico é o da defesa intransigente da liberdade de expressão”.
No último sábado (26), a pedido do Partido Liberal (PL), legenda do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Raul Araújo expediu uma liminar que proibia “a realização ou manifestação de propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato ou partido político por parte dos músicos e grupos musicais que se apresentem no festival”. No caso de descumprimento, a decisão previa multa de R$ 50 mil.
O despacho ocorreu horas após as cantoras Marina e Pabllo Vittar se manifestarem contra Bolsonaro durante as apresentações no evento. Além do ato de repúdio ao atual presidente, a artista brasileira ainda fez um “L” com a mão e desfilou entre o público com uma bandeira estampada com o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atual líder nas pesquisas de intenção de voto para o Executivo nacional.
Em nota divulgada nesta segunda, juristas de todo o país defendem a revogação da medida de Araújo. Segundo eles, “ao pretender corresponder a manifestação artística a uma propaganda eleitoral, a decisão ataca deliberadamente a liberdade artística contemplada em nosso Texto Constitucional” e “pode representar um precedente perigosíssimo para a nossa jovem e ameaçada democracia”.
Livre manifestação
O documento é assinado por mais de 20 professores de Direito de instituições como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). No texto, os juristas explicam que “propaganda eleitoral não pode ser confundida com manifestação de opinião, ainda que esta seja tendente a determinado partido ou candidato”.
A nota reforça que, segundo a legislação brasileira, menções a uma pretensa candidatura ou a exaltação das qualidades pessoais de pré-candidatos não configuram propaganda eleitoral antecipada a menos que envolvam pedido explícito de voto. Assim, os juristas apelam ao TSE que revogue a decisão de Araújo “pela garantia do direito de livre manifestação artística, a fim de restabelecer a normalidade eleitoral”.
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O Lollapallooza foi encerrado no último domingo (27) e, apesar da repercussão gerada, a determinação de Araújo sequer foi cumprida a tempo por conta de um erro na elaboração da ação judicial. Os advogados da campanha de Bolsonaro preencheram o documento com CNPJs inativos e sem qualquer relação com a organização do festival, o que impossibilitou que a oficial de Justiça responsável por entregar a intimação acionasse os devidos representantes.
Apesar de não ter sido encontrada pela Justiça, a empresa Time 4 Fun (T4F), organizadora do evento, entrou por conta própria com um recurso no TSE em que declarou não ser capaz de cumprir a ordem que “veda manifestações de preferência política” e disse não poder agir como censora privada, “controlando e proibindo o conteúdo” das falas.
Outdoor
Na última semana, o mesmo ministro Raul Araújo rejeitou um pedido feito pelo PT para retirada de outdoors com mensagens de apoio a Bolsonaro espalhados por Rio de Janeiro, Bahia, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. As placas continham dizeres como “Pela Democracia, pelas nossas famílias e por quem produz” e “Em 2022 vote 22”. Mas, para o magistrado, as evidências apresentadas pelo partido não foram suficientes para que o caso fosse configurado como propaganda eleitoral antecipada.
Ex-desembargador do TJ do Ceará, Raul Araújo foi nomeado ministro do STJ pelo ex-presidente Lula em 2010 e desde 2020 é um dos dois representantes do STJ no TSE. Em junho do ano passado, ele e o também ministro do STJ Marcelo Ribeiro Dantas foram condecorados pelo presidente com o grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito da Defesa. Além dos ministros, a honraria também foi concedida na ocasião à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e a parlamentares, diplomatas e outros representantes do governo.