Após ter a história exposta contra a sua vontade, a atriz Klara Castanho, 21, decidiu divulgar uma carta no último sábado (25) contando que foi vítima de um estupro, engravidou e entregou o bebê para a adoção seguindo os trâmites da legislação brasileira.
A atriz queria manter a história em sigilo, mas sites e redes de fofoca começaram a especular sobre o caso o que obrigou Klara a revelar o episódio. Segundo conta na carta, a artista estava longe da família e dos amigos quando a violência ocorreu e não teve condições emocionais de fazer um boletim de ocorrência.
“Estava completamente sozinha. Não, eu não fiz um boletim de ocorrência. Tive muita vergonha, me senti culpada. Tive a ilusão de que se eu fingisse que isso não aconteceu, talvez eu esquecesse, superasse. Mas não foi o que aconteceu. As únicas coisas que tive forças para fazer foram: tomar a pílula do dia seguinte e fazer alguns exames”, diz o texto.
Leia mais: Violência contra a mulher: Brasil ocupa 5° lugar no ranking mundial de feminicídios
Ainda segundo o relato, meses após o ocorrido, Klara começou a passar mal e o médico sinalizou que poderia ser uma hérnia estrangulada, uma gastrite ou um mioma. O exame foi interrompido às pressas após a constatação de uma avançada gravidez.
“Eu estava quase no término da gestação quando eu soube. Meu ciclo menstrual estava normal, meu corpo também. Eu não tinha ganhado peso e nem barriga. Naquele momento do exame, me senti novamente violada, novamente culpada. Em uma consulta médica, expliquei tudo o que aconteceu. O médico não teve nenhuma empatia por mim. Eu não era uma mulher que estava grávida por vontade ou desejo, eu tinha sofrido uma violência. E, mesmo assim, esse profissional me obrigou a ouvir o coração da criança, disse que 50% do DNA eram meus e que eu seria obrigada à amá-lo”, detalha a atriz.
As violações contra Klara prosseguiram até a entrega da criança à adoção legal. Logo após o parto, ainda anestesiada, a atriz conta que foi abordada por uma enfermeira na sala de cirurgia que a ameaçou: “Imagine se tal colunista descobrisse essa história”. De acordo com a atriz, quando chegou no quarto já havia mensagem do colunista em seu telefone.
“Como mulher, eu fui violentada primeiramente por um homem, e agora, sou reiteradamente violentada por tantas outras pessoas que me julgam”, enfatiza Klara.
A exposição e o limite da imprensa
A publicidade da história da atriz começou em 24 de maio com uma postagem do jornalista Matheus Baldi dizendo que Klara teria dado à luz a uma criança. A publicação foi retirada do ar à pedido da artista.
Na última quinta-feira (23), a apresentadora e youtuber Antônia Fontenelle disse em uma live, em tom agressivo, que uma atriz de 21 anos engravidou e entregou o bebê para adoção.
Leia mais: Rádios retiram músicas de DJ Ivis da programação após agressões contra ex-mulher
Após a divulgação da carta da atriz no último sábado, o colunista Leo Dias publicou um artigo no portal Metrópoles detalhando o caso. O texto foi retirado do ar pela editora Lilian Tahan e Dias publicou um pedido de desculpas em suas redes sociais e o Metrópoles divulgou uma carta de retratação sobre o caso.
“Isso não exime a culpa da equipe do Metrópoles. Todos erramos. E, por isso, pedimos perdão à Klara. Ela não merece julgamento. Não merece exposição. Merece acolhimento, respeito e empatia de todos nós. O triste episódio servirá de lição para que façamos uma avaliação profunda sobre procedimentos em nossas rotinas. A todos os leitores, um respeitoso pedido de desculpas”, diz um trecho da nota divulgada no último domingo (26).
O caso ganhou repercussão nacional e os limites éticos do jornalismo também foram postos em debate. Pelo Twitter, a pesquisadora premiada na área de direitos reprodutivos e gênero, Débora Diniz, ressalta que apenas uma retratação do veículo de comunicação não é suficiente.
Carta de retratação não é suficiente para reparar a violência cometida pelo @Metropoles contra @KlaraCastanho. Quais medidas concretas de responsabilidade ética para noticiar mulheres e gênero o portal vai adotar? Quais medidas concretas de reparação à dor causada em Klara?
— Debora Diniz (@Debora_D_Diniz) June 26, 2022
A jornalista e comunicadora comunitária, Gizele Martins, também usou as redes para questionar o jornalismo feito pelos grandes meios de comunicação e destacar o papel do jornalismo comunitário, principalmente na ética e no respeito aos direitos humanos.
Hj, a gente faz jornalismo p além de repudiar a mídia que nos criminaliza. A gente produz nossa comunicação e c respeito, até pq a gente sente na pele como é ser desrespeitado historicamente pelos meios de comunicação. Por isso, não chamo mais o que fazemos de alternativo.
— Gizele Martins (@giz_omartins) June 27, 2022