Munidos de faixas, cartazes e bandeiras, milhares de argentinos e argentinas ocuparam as ruas do centro de Buenos Aires nesta sexta-feira (2) em manifestações de apoio à vice-presidenta do país, Cristina Kirchner.
Miriam Djeordjian, da Radio Sur e da Associação Mundial de Rádios Comunitárias da Argentina (Amarc Argentina) contou à Pulsar Brasil que entre as organizações presentes na mobilização em defesa de Cristina estão a Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA), a Associação dos Trabalhadores do Estado (ATE) e o Sindicato dos Trabalhadores da Economia Popular (UTEP). Segundo ela, apenas um grupo político do país não demonstrou apoio à vice-presidenta.
“Quase todo o espectro político expressou sua rejeição ao ataque, incluindo o ex-presidente Macri. A única exceção são os deputados de direita que se autodenominam ‘libertários'”, cujo silêncio não surpreende”, comentou.
Atentado
Na noite de quinta-feira (1°), Cristina sofreu um tentativa de assassinato a poucos metros da casa em que reside, no bairro Ricoleta. Enquanto a vice-presidenta cumprimentava apoiadores que estavam em vigília no local aguardando sua chegada, um homem apontou uma pistola para Cristina e chegou a apertar o gatilho para efetuar o disparo, mas a arma falhou. Em um vídeo divulgado nas redes sociais é possível ver o cano da arma a poucos centímetros do rosto da ex-presidenta.
De acordo com o ministro de Segurança da Argentina, Aníbal Fernández, o homem foi preso logo em seguida ao atentado. Ele foi identificado como Fernando Andres Sabag Montiel, de 35 anos, nascido no Brasil, mas residente na Argentina desde 1993. Segundo a imprensa argentina, Montiel já havia sido preso em março de 2021 por porte de armas não convencionais e, atualmente, trabalharia como motorista por aplicativo.
Ainda na noite de quinta-feira, horas após o atentado, o presidente argentino Alberto Fernández fez um pronunciamento que foi transmitido para todo país e declarou feriado nacional nesta sexta-feira. Fernández classificou o atentado contra Cristina como um fato de “gravidade institucional e humana extrema” e o acontecimento “mais grave desde que recuperamos nossa democracia”.
“Devemos firmar um compromisso permanente para erradicar o ódio e a violência da vida em democracia. Por esse motivo, declaro o dia de amanhã [sexta-feira] feriado nacional para que, em paz e harmonia, o povo argentino possa expressar-se em defesa da vida, da democracia e em solidariedade com a nossa vice-presidenta. O povo argentino quer viver em democracia e em paz. E nosso governo tem o firme compromisso de trabalhar todos os dias para que isso seja alcançado”, declarou o presidente.


Ainda na quinta-feira, Fernández disse ter entrado em contato com a juíza responsável pelo caso, María Eugenia Capuchetti, para solicitar o rápido esclarecimento e a responsabilização dos envolvidos.
Nenhuma informação sobre a motivação do crime ou sobre um possível depoimento do brasileiro preso havia sido divulgada até o fechamento desta reportagem.
Contexto
Nas últimas semanas, o Ministério Público argentino pediu a prisão de Cristina Kirchner por 12 anos sob a acusação de corrupção ligada à contratação de obras públicas durante o período em que esteve à frente da presidência do país (2007-2015). Além da detenção da atual vice-presidenta, o pedido incluía a cassação de seus direitos políticos.
Cristina, por sua vez, tem negado todas as acusações e afirmado que trata-se de uma perseguição judicial para afastá-la da política, visto que a acusação não foi capaz de apresentar qualquer prova contra ela.
Segundo Sofia Hammoe, jornalista argentina afiliada à Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil), a ex-presidenta vive uma situação parecida com a experimentada pelo ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
“É um processo de lawfare semelhante ao que que fizeram com o Lula, no Brasil. Cristina já foi inocentada em vários processos. Alguns membros do seu governo, sim, foram pra cadeia, mas sem prova nenhuma. A fala do procurador foi quase a mesma do Dallagnol, por convicção. É tudo uma vergonha incrível”, afirmou à Pulsar.
Ainda segundo Sofia, desde que o Ministério Público argentino entrou com o pedido de prisão da ex-presidente, os apoiadores de Cristina tem feito vigílias diárias em frente a sua casa como forma de apoio.
No discurso transmitido nesta quinta-feira, o presidente Alberto Fernández foi enfático:
“Estamos obrigados a recuperar a convivência democrática que foi quebrada pelo discurso de ódio, disseminado por diferentes espaços políticos, judiciais e midiáticos da sociedade argentina. Podemos discordar, ter profundas discórdias, mas, sem uma sociedade democrática, os discursos que promovem o ódio não podem ter lugar porque cultivam violência, e não há possibilidade de que a violência conviva com a democracia”, afirmou.
Solidariedade
Após o atentado, uma série de líderes políticos declararam apoio à vice-presidenta argentina, entre eles os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef, e os presidentes latinoamericanos: Gabriel Boric, do Chile; Nicolás Maduro, da Venezuela; Pedro Castillo, do Peru; Mario Abdo, do Paraguai; Luis Lacalle Paul, do Uruguai; Gustavo Petro, da Colômbia; e Miguel Díaz-Canel, de Cuba.Na manhã desta sexta-feira, o papa Francisco também enviou um telegrama para expressar solidariedade à vice-presidenta de seu país.
“Rezo para que na querida Argentina prevaleçam sempre a harmonia social e o respeito dos valores democráticos, contra todo tipo de violência e agressão”, diz um trecho do texto do pontífice.
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL), falou sobre o episódio somente na tarde desta sexta-feira durante um evento de uma feira agropecuária na cidade de Esteio, no Rio Grande do Sul.
“Já mandei uma notinha. Eu lamento. Agora: quando eu tomei a facada, teve gente que vibrou por aí. Lamento. Já teve gente que tentou colocar na minha conta já esse problema. O agressor ali, ainda bem que não sabia mexer com arma. Se soubesse, teria sucesso no intento”, disse Bolsonaro.
Edição: Jaqueline Deister