

Assédio, perseguições judiciais, violência física, ameaças de morte e até assassinatos. Estes são alguns exemplos de situações historicamente vividas por comunicadoras e comunicadores comunitários em todo o Brasil. Violações que, conforme apontam pesquisadores e organizações sociais, têm se intensificado nos últimos anos sobretudo em áreas de periferia e regiões afastadas dos grandes centros urbanos.
Frente a este cenário, o Criar Brasil – Centro de Imprensa, Assessoria e Rádio –, organização filiada à Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil), lançou o “Manual Prático para Segurança de Comunicadoras/es Comunitárias/os”. Segundo o próprio Criar, o guia traz um conjunto de recomendações e informações para o jornalismo seguro com foco na realidade das mídias livres e comunitárias, a partir de uma série de materiais nacionais e internacionais.
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De acordo com João Paulo Malerba, coordenador de projetos do Criar Brasil, o manual foi organizado de forma prática justamente para facilitar a consulta durante o cotidiano dos comunicadores. Na primeira parte, por exemplo, são apresentados os direitos que os comunicadores comunitários têm no exercício da sua atuação jornalística, tanto em âmbito nacional quanto em âmbito internacional. Afinal, como o próprio organizador da publicação destaca: “Você só sabe sobre as violações dos direitos, quando você conhece esses direitos”.
Em seguida, o manual lista os principais tipos de violações “online” e “offline” contra comunicadores comunitários e oferece uma sessão específica com recomendações de boas práticas para garantir a segurança na atuação jornalística.
“A gente tratou, por exemplo, da cobertura em epidemias, de manifestações e protestos, em casos de corrupção e crime organizado, e também um ponto muito importante que é a questão da segurança digital e dicas específicas para comunicadoras que, pelo menos no ambiente virtual, são o principal alvo de ataques”, explicou Malerba, que ainda ressalta que a conquista do ambiente digital pelas mídias comunitárias também trouxe desafios e novas formas de abusos como linchamentos em redes sociais, perseguição virtual, violação de privacidade e roubo de informações.
Por fim, o Manual traz orientações de como agir em caso de violações para garantir a segurança imediata e ainda buscar por justiça. O guia informa, por exemplo, como conseguir ajuda jurídica gratuita e indica um conjunto de canais e entidades que dispõem de serviços de apoio às comunicadoras e comunicadores vítimas de violência.
Vulnerabilidade
De acordo com o relatório “Violência contra Comunicadores no Brasil”, publicado em 2019 pelo Conselho Nacional do Ministério Público, em 20 anos (1999-2019) apenas metade dos casos de assassinatos de comunicadores no Brasil chegaram a algum tipo de solução. Ainda segundo o estudo, “a quase totalidade dos atos violentos analisados ocorreu longe dos grandes centros urbanos, envolvendo jornalistas, profissionais de imprensa e comunicadores autônomos ou pertencentes a pequenos grupos de mídia, muitos deles blogueiros e radialistas”.
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Neste sentido, Malerba acrescenta que a maior vulnerabilidade dos profissionais que se dedicam ao jornalismo comunitário passa por uma série de restrições legais e falta de incentivo público. Segundo ele, a comunicação comunitária no Brasil sobrevive com pouquíssimos recursos e, por isso, é obrigada a conviver com problemas como: baixa remuneração, condições ruins de trabalho, deficiência na formação profissional, dificuldade de apoio jurídico e, em muitos casos, a proximidade com alvos de denúncia.
“É importante dizer que quando a gente vai para as periferias das grandes cidades ou para o interior do país, quem faz a vigilância do poder público são esses comunicadores populares independentes. Mas normalmente eles são pessoas que são próximas dos alvos das denúncias, como vereadores, políticos, famílias com muito poder local ou mesmo policiais. Isso torna os comunicadores muito vulneráveis” pontua.
Democracia
Com mais de 25 anos de atuação em defesa do direito à comunicação, o Criar Brasil lembra que a violência contra comunicadoras e comunicadores representa um problema não apenas para as vítimas, mas para toda sociedade que é impedida de ter acesso ao fruto do seu trabalho. Ainda segundo a organização, os ataques a comunicadores tendem a calar ainda outros jornalistas, impedindo a circulação de informações essenciais para o debate democrático de ideias, principalmente em regiões com pouca ou nenhuma cobertura jornalística local.
De acordo com o último “Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil” publicado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), só em 2020 foram registrados 428 casos de ataques a profissionais da imprensa no país, incluindo dois homicídios. Segundo a organização, trata-se do maior número registrado desde o início da série histórica em 1990.
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Para João Paulo Malerba, a escalada das violações contra comunicadores nos últimos anos tem íntima relação com a eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018.
“A verdade é que a gente vive um ambiente tóxico para o jornalismo em geral. A gente tem desde o presidente da República, passando pela sua família, pelos seus filhos e também pelos seus seguidores, um ataque sistemático à imprensa e ao jornalismo em geral. Isso afeta todos os comunicadores”, disse à Pulsar.
Segundo levantamento da Artigo 19, organização ligada à defesa e promoção do direito à liberdade de expressão e de acesso à informação, só nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro foram identificados cerca de 590 ataques contra a imprensa promovidos pelo Presidente da República, seus ministros ou por seus filhos com mandatos parlamentares.
Segurança
O “Manual Prático para Segurança de Comunicadoras/es Comunitárias/os” faz parte do projeto “Promovendo a segurança de comunicadores/as populares na luta por direitos” realizado pelo Criar Brasil com o apoio da Embaixada do Reino dos Países Baixos.
Além do manual, o projeto também contou com treinamentos com comunicadores e comunicadoras atuantes em mídias comunitárias, mobilização virtual e a produção de materiais audiovisuais e podcasts.
Edição: Jaqueline Deister