O plenário da Câmara dos Deputados enterrou de vez a proposta de emenda à Constituição que estabeleceria a adoção do voto impresso (PEC 135/19). Dos 308 votos favoráveis que precisava para ser aprovada, a medida obteve apenas 229 na votação de terça-feira (10). Também foram registrados 218 votos contra e uma abstenção. Com a nova derrota – pois já havia sido rejeitada duas vezes em comissão especial – a proposta será arquivada.
Embora tenha confirmado as expectativas em torno do arquivamento do texto, a votação surpreendeu pelo número de votos favoráveis. Ou melhor, pela quantidade de deputados e deputadas que contrariaram a orientação de seus partidos e endossaram a proposta defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Dos 513 deputados, 112 não seguiram os direcionamentos partidários.
As siglas que registraram o maior número de ‘traições’ de seus representantes foram o PSD, DEM, MDB e PSDB. As quatro bancadas foram orientadas para votarem contra a PEC, no entanto a maioria de seus representantes votaram favoravelmente à proposta de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF). No PSD, 20 deputados votaram a favor, 11 contra e quatro se ausentaram. No DEM, o placar foi de 13 favoráveis, oito contrários e seis ausentes. O MDB, teve 15 votos a favor, 10 contra e oito ausências. A bancada tucana, por sua vez, registrou 14 votos ‘sim’, 12 ‘não’, cinco ausências e uma abstenção do deputado Aécio Neves (PSDB-MG). No caso de PECs as ausências contam como votos contrários, pois não contribuem para que o índice de 308 votos a favor seja atingido.
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Os partidos Cidadania, Novo, Solidariedade, PSB, PV, PL, Avante, PDT, Podemos, PSL e Republicanos também tiveram votos contrários à orientação inicial, mas em índices menores. Entre estes, também houve surpresa em relação aos votos do chamado “Centrão”. Partidos como PP e PL, que comandam ministérios no Governo Federal – a Casa Civil, com Ciro Nogueira (PP-PI) e a Secretaria de Governo, com Flávia Arruda (PL-DL) –, tiveram 36 manifestações contrárias ao voto impresso, 18 abstenções e apenas 27 a favor. Apenas a oposição representada por PT, PSOL, PCdoB e Rede tiveram o posicionamento partidário integralmente respeitado. No caso, o voto contra.
Embora seja inegável o interesse do Executivo e seus aliados na aprovação da PEC, a derrota já era prevista pela própria base bolsonarista. De todo modo, a insistência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) em levar a pauta ao plenário serviu de termômetro e cálculo político para a base governista. Inclusive, a votação aberta e nominal facilita ao governo identificar os votos contrários e até restringir possíveis liberações de emendas parlamentares, fator que pode influenciar a campanha eleitoral de boa parte dos deputados em 2022.
Reações
Em depoimento após a votação, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara, disse que o resultado serve de recado ao Governo Federal.
“Dizemos não às intimidações, não à desestabilização das eleições, não à tentativa de golpe de Bolsonaro. Queremos no ano que vem eleições limpas, seguras, tranquilas e pacíficas, como o sistema atual garante”, disse.
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Já o presidente da Câmara enfatizou a maneira como a pauta foi conduzida e afirmou que o assunto voto impresso está “definitivamente enterrado”. Segundo Lira, a rejeição da PEC deve ser compreendida como um resultado “soberano, altivo e democrático”.
Na mesma linha, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) declarou, na manhã desta quarta-feira (11), que considera o tema como assunto encerrado: “O Congresso decidiu, está decidido”. Mesmo com a derrota, Mourão avaliou positivamente o desempenho da base governista no Congresso. De acordo com ele, o Governo teve sucesso em pautar o tema e espera que a Justiça Eleitoral se esforce para dar mais publicidade e transparência ao processo eleitoral nos próximos anos.
O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, afirmou que os deputados optaram pela manutenção da urna eletrônica por “chantagem” e medo de “retaliação”. A declaração foi feita na manhã desta quarta-feira. Na ocasião, Bolsonaro aproveitou para reforçar os ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao ministro Luís Roberto Barroso e incitar seus apoiadores a questionar o resultado das eleições de 2022. Segundo ele, será uma “eleição onde não vai se confiar no resultado das apurações.”
Edição: Jaqueline Deister