O Brasil registrou 305 casos de invasões e explorações irregulares de Terras indígenas em 2021. Trata-se do sexto ano consecutivo em que o país bate o próprio recorde em os crimes do tipo. Os dados são do relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil”, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e lançado na última quarta-feira (17). Segundo o estudo, no último ano as invasões atingiram pelo menos 226 Terras Indígenas (TIs) em 22 estados do país.
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Em sua terceira edição, a publicação anual do Cimi divide os casos de violência contra os povos indígenas em 19 categorias, entre elas a violência contra o patrimônio, violência contra a pessoa e violência por omissão do poder público. Segundo o relatório, das 19 categorias, 15 registraram aumento no número de casos em 2021.
Dados
Em relação aos casos de violência contra a pessoa, chamam atenção os 176 assassinatos de indígenas registrados pelo levantamento. Ainda nesta categoria, foram contabilizados 23 ocorrências de abuso de poder, 19 ameaças de morte, 39 ameaças de outros tipos, 20 homicídios culposos, 21 lesões corporais dolosas, 21 casos de racismo e discriminação étnico cultural, 12 tentativas de assassinato e 14 casos de violência sexual. No total, a soma chega a 355 casos de violência contra pessoas indígenas, o maior número registrado nos últimos nove anos.
Em 2021, os estados com o maior número de assassinatos foram Amazonas (38), Mato Grosso do Sul (35) e Roraima (32).
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Ainda nesta seção, o relatório destaca os assassinatos brutais de jovens e crianças indígenas como Raíssa Cabreira Guarani Kaiowá, de apenas 11 anos, e Daiane Griá Sales, do povo Kaingang, de 14 anos. Ambas foram estupradas e mortas.
Em 2021 também foram registrados 1.294 casos de violência contra o patrimônio de povos indígenas. O relatório divide as ocorrências nas seguintes categorias: omissão e morosidade na regularização de terras (871 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (118 casos); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (305 casos).
Omissão
O terceiro capítulo do relatório reúne os registros de ocorrências de “violência por omissão do poder público”. Nesta categoria foram incluídos os casos de desassistência geral (34 casos), desassistência na área de educação escolar indígena (28), desassistência na área de saúde (107), disseminação de bebida alcoólica e outras drogas (13), e morte por desassistência à saúde (39), totalizando 221 casos. Em 2020, o total de casos nesta categoria foi de 177.
O Cimi também atribui à omissão do poder público brasileiro a morte de 744 crianças indígenas de zero a cinco anos de idade em 2021 e os 148 suicídios de indígenas no mesmo ano. Ainda em relação à falta de assistência do poder público, o documento revela que 847 indígenas morreram em 2021 em função da infecção pelo coronavírus.
Contexto
De acordo com o Cimi, o contexto geral de ataques aos territórios, lideranças e comunidades indígenas “está relacionado a uma série de medidas do poder Executivo que favoreceram a exploração e a apropriação privada de terras indígenas e à atuação do governo federal e de sua base aliada para aprovar leis voltadas a desmontar a proteção constitucional aos povos indígenas e seus territórios”.
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Neste sentido, a organização destaca a publicação de instruções normativas que liberaram a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas – Instrução Normativa 09/20, da Fundação Nacional do Índio (Funai) – e que permitiram a exploração econômica de TIs por associações e organizações de “composição mista” entre indígenas e não indígenas – Instrução Normativa Conjunta 01/21, da Funai em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). As tentativas de aprovação das propostas dos Projetos de Lei (PLs) 490/07 e 191/20 também foram lembradas pelo Cimi, por pretenderem inviabilizar novas demarcações de TIs, abrir as terras já demarcadas à exploração predatória e liberar a mineração em TIs.
Ao analisar a atuação do governo de Jair Bolsonaro (PL) no último ano, o Cimi também sublinha que, pelo terceiro ano consecutivo, o Executivo nacional “manteve a diretriz de paralisação das demarcações de terras indígenas e omissão completa em relação à proteção das terras já demarcadas” o que, segundo a organização, representou “o agravamento de um cenário que já era violento e estarrecedor”.
“Esse conjunto de ações deu aos invasores confiança para avançarem em suas ações ilegais em terras indígenas. Garimpos desenvolveram ampla infraestrutura, invasores ampliaram o desmatamento de áreas de floresta para a abertura de pastos e o plantio de monoculturas, e caçadores, pescadores e madeireiros intensificaram suas incursões aos territórios”, explica o Cimi.