Na manhã desta terça-feira (25), quando se completam três anos do crime ambiental da Vale S.A em Brumadinho, Minas Gerais, movimentos sociais, familiares e amigos das 272 pessoas que morreram no rompimento da barragem Córrego do Feijão realizaram um ato público na cidade para celebrar a memória das vítimas e cobrar justiça e reparação aos milhares de atingidos pelo desastre.
Durante a manifestação, que contou com missa presidida pelo Arcebispo Dom Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), foram espalhadas arranjos de flores, fotos e cruzes com os nomes das vítimas. Às 12h28, horário em que ocorreu o rompimento em 25 de janeiro de 2019, os manifestantes soltaram balões e recitaram os 272 nomes de pessoas mortas na tragédia.
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Sob o lema “Memória e Justiça”, os participantes da III Romaria pela Ecologia Integral de Brumadinho também lembraram que, embora as associações e comissões organizadas pelas pessoas atingidas tenham obtido conquistas ao longo dos últimos três anos, como o pagamento de indenização à parte das famílias, programas de transferência de renda e direito à assessoria técnica, persistem as necessidades de medidas emergenciais na região e de reparação integral para todas as comunidades atingidas.
Lama
De acordo com nota publicada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), com as recentes enchentes em Minas Gerais, os rejeitos da mineração voltaram à superfície em várias localidades da Bacia do Rio Paraopeba e, mais uma vez, a lama tóxica invadiu ruas, casas e áreas de plantação e criação de animais.
Ainda segundo o MAB, os atingidos que, nos últimos meses, tiveram que entrar em residências inundadas para ajudar a resgatar famílias ilhadas têm apresentado manchas vermelhas na pele e coceiras, principalmente nas pernas e braços.
“Os moradores que já denunciavam problemas de saúde relacionados à água contaminada, como de dor no estômago e náuseas, diante do agravamento provocado pelas enchentes, não querem voltar para suas residências, porque não têm condições de remover, de forma segura, todo o material contaminado que tomou suas casas. Muitos agricultores que tinham grandes plantações de hortaliças, além de perderem tudo novamente, não querem produzir em um solo ainda repleto de rejeitos tóxicos”, relata o documento.
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Desde outubro do ano passado, quando as fortes chuvas começaram a atingir o estado de Minas Gerais, o movimento tem chamado alertado sobre o risco de novos desastres socioambientais na região, como os de Brumadinho (2019) e Mariana (2015). Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), das 47 barragens de rejeitos em risco iminente de rompimento, 42 estão em Minas Gerais.
Justiça
Embora a Vale S.A tenha sido obrigada pela Justiça a pagar indenizações à parte das famílias atingidas pelo maior crime socioambiental do país, até hoje nenhuma pessoa física chegou a ser formalmente acusada pelo crime.
Em 2020, a Justiça de Brumadinho chegou a acolher uma ação penal ajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra o presidente da Vale, Fábio Schvarstman, e outras 15 pessoas (11 funcionários da Vale e cinco da Tüv Süd, empresa alemã que assinou o laudo de estabilidade da estrutura da barragem Córrego do Feijão). Conforme a ação, todos os réus responderiam a um Tribunal do Júri por homicídio qualificado das 272 vítimas.
Contudo, a denúncia do MPMG foi questionada pela defesa de Schvarstman sob a alegação de que haveria elementos no caso que seriam de competência da Justiça Federal. Questionamento que foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em outubro do ano passado.
No último dia 14, o MPMG entrou com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter a decisão do STJ e trazer a competência do julgamento de volta para a esfera estadual. Segundo o entendimento do órgão:
“É o Tribunal do Júri estadual a ser instalado em Brumadinho o competente para julgar todos os crimes, pois o Tribunal do Júri é uma garantia fundamental da sociedade e sua competência constitucional prevalece sobre todos os demais órgãos da justiça em primeiro grau, inclusive sobre os órgãos da Justiça Federal comum”.
“Os acusados agiram assumindo o risco de provocar mortes, pois antes da tragédia efetuaram um cálculo econômico envolvendo o valor das vidas que seriam perdidas com a então provável ruptura da barragem e, mesmo cientes do estado crítico da estrutura, se omitiram na adoção de medidas de emergência e segurança que, caso adotadas, impediriam que as mortes e os danos ambientais ocorressem na forma e na proporção em que ocorreram”, afirma o MPMG.
Ainda sobre o caso, no ano passado um inquérito da Polícia Federal foi concluído com o indiciamento da Vale e da Tüv Süd pela prática de crimes ambientais contra fauna, flora, recursos hídricos, unidades de conservação e sítios arqueológicos e de 19 pessoas por homicídio qualificado. A investigação foi encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF), que ainda não definiu se apresenta ou não denúncia contra os indiciados.
Seis pessoas seguem desaparecidas desde o rompimento da barragem em 2019.
Edição: Jaqueline Deister