Atenta aos desdobramentos da ação policial que resultou em pelo menos 25 mortes na Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) encaminhou, na última terça-feira (24), um ofício às autoridades competentes requisitando informações sobre a motivação da operação realizada na comunidade.
O massacre já é considerado a segunda ação policial mais letal da história da capital carioca, atrás apenas da chacina do Jacarezinho, ocorrida em maio de 2021, que terminou com a morte de 28 pessoas.
De acordo com a Defensoria, o documento encaminhado ao comandante do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio questiona os motivos excepcionais para a realização da operação, tendo em vista decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, que proíbe operações policiais durante a pandemia, especialmente nos perímetros nos quais estejam localizadas escolas, creches, hospitais ou postos de saúde.
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No texto do ofício, a DPRJ também solicita o envio da cópia da ordem da missão, a indicação da autoridade que determinou/autorizou a operação, assim como as informações sobre as pessoas vitimadas, número dos respectivos registros de óbito e cópia do Boletim de Ocorrência.
O documento foi produzido por integrantes da Ouvidoria e do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da instituição que passaram a terça-feira no local apurando os relatos dos moradores. Segundo a Defensoria, “o sentimento era de desespero, angústia e muito medo”. Escolas, aparelhos públicos em geral e comércio ficaram fechados ao longo do dia.
Os integrantes dos órgãos destacam que tentaram diálogo com as forças de segurança para cessar fogo, mas não conseguiram.
“Entramos em contato com os controles interno e externos das polícias para tentar uma incursão para retiradas dos feridos, mas foi sem sucesso. O respaldo legal para a operação não foi informado de modo claro. Há elementos que indicam uso excessivo da força policial, resultando em um elevando número de mortes”, relatou a defensora do Nudedh, Maria Julia Miranda.
Na mesma linha, o ouvidor Guilherme Pimentel criticou a naturalização da violência policial em áreas de favelas e comunidades pobres da região metropolitana do Rio.
“É mais uma dessas operações de caçada humana, que não resolvem nada do ponto de vista da segurança pública e que na verdade traz mais problemas, uma vez que as famílias das vítimas ficam nesse fogo cruzado e se sentindo inseguras dentro das suas próprias casas, sem poder trabalhar, sem poder estudar, sem acessar a saúde. Esse tipo de operação, que não seria naturalizada nos bairros nobres da cidades, jamais poderia ser naturalizado dentro das favelas. O nosso foco agora é o acolhimento das famílias das vítimas e a garantia do acesso jurídico”, afirmou.
Chacina
A operação na Vila Cruzeiro foi deflagrada na última terça pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) em parceria com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Polícia Federal (PF). Segundo as corporações, o objetivo era prender chefes do Comando Vermelho e suspeitos vindos de outros estados que estariam escondidos na comunidade.
De acordo com o comando da PM, a operação era planejada há meses, mas foi deflagrada de modo emergencial para impedir uma suposta migração para a favela da Rocinha, na Zona Sul da cidade. Os tiroteios começaram logo pela manhã, por volta das 5h, e duraram o dia inteiro.
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Além de 24 mortos, que teriam sido baleados em confronto, uma moradora foi vítima de bala perdida e morreu dentro de casa. Segundo a polícia, das 25 vítimas ao menos 12 eram suspeitas de integrar o tráfico de drogas.
A polícia ainda informou ao jornal Folha de S. Paulo que oito mortes não foram registradas pela corporação como provocadas por agentes do estado. Nesses casos, os óbitos foram registrados como homicídio comum e não como “mortes decorrentes de intervenção policial”, o que desobriga os policiais de incluir nos registros os boletins de ocorrência com os agentes envolvidos na ação, a versão deles sobre o confronto, bem como as armas eventualmente apreendidas.
De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Fogo Cruzado em conjunto com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), em apenas um ano de gestão do governador Claudio Castro (PL), o Rio de Janeiro teve uma sequência de 39 chacinas com 178 mortes promovidas por agentes das forças policiais.
A Pulsar Brasil procurou a assessoria da PMERJ para esclarecimentos sobre a operação na Vila Cruzeiro, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
Edição: Jaqueline Deister