As lutas e conquistas históricas povo brasileiro serão destaque no desfile da Beija-Flor de Nilópolis na Marquês de Sapucaí, na cidade do Rio de Janeiro, na próxima segunda-feira (20).
Com o samba-enredo “Brava Gente! O grito dos excluídos no bicentenário da Independência”, a atual vice-campeã do carnaval carioca questiona a história oficial do 7 de Setembro e celebra as batalhas genuínas por independência protagonizadas pelos excluídos do Grito do Ipiranga, em especial a expulsão dos portugueses em 2 de julho de 1823 na Bahia.
De acordo com Mauro Cordeiro, antropólogo e pesquisador da Beija-Flor, ao reivindicar o caráter nacional do 2 de julho, a azul e branco da Baixada “está operando uma disputa material e simbólica”. Segundo ele, o enredo “Questiona o mito fundador do país e o rito que o celebra anualmente. É a valorização das batalhas genuínas, protagonizadas pela brava gente brasileira”.
“Tendo este marco como fio condutor de sua narrativa, a Beija-Flor celebra o papel civilizatório das lutas populares enquanto demonstra o quanto este país foi projetado para ser o que é: desigual, violento, autoritário e excludente”, explicou o pesquisador em rede social.
Inspirado no “Grito dos Excluídos”, ato nacional e popular que acontece tradicionalmente no dia 7 de setembro como contraponto às comemorações da Independência, o desfile contará com a participação de representantes de diversos movimentos e organizações sociais.
De acordo com a agremiação, além dos integrantes da escola, a construção coletiva do enredo contou com a contribuição de entidades como a Unesco, Ação da Cidadania, Anistia Brasil, Artigo 19, Coalizão Negra por Direitos e Geledés. Também participaram do processo a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR), Instituto Cultne, Instituto Enraizados, Instituto Marielle Franco, Movimenta Caxias, Movimento dos Trabalhadores por Direitos e Uneafro Brasil, além de ativistas e intelectuais como Jurema Werneck, Sueli Carneiro, Daniel Munduruku, Adriana Facina e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
“Este processo de construção coletiva do enredo foi pautado em diálogos, escutas, trocas e na comunhão de ideias, concepções, compreensões, desejos e sonhos, muitos sonhos”, comentou Mauro Cordeiro.
Mito
De acordo com o pesquisador, ao consagrar a ideia da emancipação política do país como um “desquite amigável”, a “invenção do 7 de setembro” funciona como um “mecanismo de exclusão”. Segundo Cordeiro, o protagonismo dado ao ato de Dom Pedro I “produz o apagamento sobre a participação popular na conquista da independência” e silencia “o caráter conflitivo” do referido processo histórico.
“Na realidade, a conquista da emancipação em relação a Portugal envolveu uma série de conflitos bélicos decisivos para o destino do país. As guerras da independência são evidências do caráter violento deste processo. A guerra que se instalou na Bahia, território onde os invasores aportaram em 1500, foi, sem sombra de dúvidas, a mais importante deste processo. A vitória da causa brasileira em 2 de julho de 1823 foi central para a consolidação da emancipação”, explica o antropólogo.
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Segundo Cordeiro, ao invés de comemorar uma suposta “ação heroica de um príncipe regente, herdeiro do trono português”, a Beija-Flor pretende reverenciar os verdadeiros heróis e heroínas da independência brasileira.
“Os heróis e heroínas desta história são homens e mulheres populares, negros, indígenas, brancos empobrecidos, uma brava gente que lutou e morreu pela causa da liberdade” afirma.
Grito dos Excluídos
Realizado pela primeira vez em 1955, o Grito dos Excluídos é uma manifestação popular realizada anualmente no dia 7 de setembro por grupos, coletivos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as lutas por direitos. Além de questionar os padrões de independência do povo brasileiro, o Grito tem como propósito contribuir para a reflexão sobre a justiça social no Brasil.
Em 2022, para marcar o bicentenário da Independência do Brasil, o tema escolhido pelos organizadores do 28° Grito dos Excluídos foi: “200 anos de (in)dependência para quem?”. Neste ano, o tema foi praticamente reeditado pela Beija-Flor, que, no dia 20, cantará na avenida:
“Ô, abram alas ao cordão dos excluídos / Que vão à luta e matam seus dragões / Além dos carnavais, o samba é que me faz / Subversivo beija-flor das multidões”.
Confira o samba-enredo:
Edição: Jaqueline Deister