Redação
Pela décima vez em apenas três anos, o jogador brasileiro de futebol Vinícius Júnior voltou a sofrer ataques racistas durante uma partida da Liga Espanhola. O mais novo caso aconteceu no último domingo (21), no jogo entre Real Madrid e Valencia realizado no Estádio Mestalla, em Valência, e tem provocado uma série de repercussões que envolvem desde jogadores e clubes até ministérios de Estado.
Imagens de vídeo que circulam pela internet mostram grupos de torcedores do time da casa chamando o atleta de “mono” – macaco, em espanhol – antes mesmo do início da partida, do lado de fora do estádio. As ofensas continuaram dentro do Mestalla e o jogo chegou a ser interrompido no segundo tempo devido a insistência dos torcedores do Valencia. Durante a paralisação, o locutor do estádio teve que pedir para que os insultos fossem encerrados sob ameaça de suspensão da partida.
Nesta segunda-feira (22), o jogador publicou um vídeo nas redes sociais com imagens dos vários ataques que tem sofrido desde que começou a jogar na Espanha, com direito a desejos de morte e até boneco enforcado. No texto, Vini destaca que “o discurso sempre cai em ‘casos isolados’, ‘um torcedor’”.
“Não, não são casos isolados. São episódios contínuos espalhados por várias cidades da Espanha (e até em um programa de televisão)”, reforça.
“As provas estão aí no vídeo. Agora pergunto: quantos desses racistas tiveram nomes e fotos expostos em sites? Eu respondo pra facilitar: zero. Nenhum pra contar uma história triste ou pedir aquelas falsas desculpas públicas. O que falta para criminalizarem essas pessoas? E punirem esportivamente os clubes? Por que os patrocinadores não cobram a La Liga? As televisões não se incomodam de transmitir essa barbárie a cada fim de semana? O problema é gravíssimo e comunicados não funcionam mais. Me culpar para justificar atos criminosos também não. No es fútbol, es inhumano”, protesta o atacante no Twitter.
A cada rodada fora de casa uma surpresa desagradável. E foram muitas nessa temporada. Desejos de morte, boneco enforcado, muitos gritos criminosos… Tudo registrado.
Mas o discurso sempre cai em “casos isolados”, “um torcedor”. Não, não são casos isolados. São episódios… pic.twitter.com/aSCMrt0CR8
— Vini Jr. (@vinijr) May 22, 2023
Pós-jogo
As cenas no Estádio Mestalla, sobretudo os atos criminosos da torcida valenciana, repercutiram no mundo todo. Em entrevista após o jogo, o treinador do Real Madrid, o italiano Carlo Ancelotti, se mostrou revoltado e incrédulo com o acontecimento.
“Não quero falar de futebol, mas sim do que aconteceu aqui. Isto não pode ocorrer, um estádio inteiro gritando algo assim. Ele não queria continuar e eu acharia justo, porque é a vítima. Isto não pode acontecer”, disse o técnico.
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Ainda no domingo, Vinícius Júnior publicou um desabafo em seu perfil nas redes sociais lamentando os repetidos episódios de discriminação e a falta de atitude dos dirigentes do campeonato:
“Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi, hoje é dos racistas”, escreveu.
Além da Liga Espanhola, o brasileiro também fez questão de citar a Espanha que, segundo ele, “aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista”.
“Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui”, complementa o texto.
Reações
Em reação às críticas de Vini Jr, o presidente da Liga Espanhola, Javier Tebas, disse, nas redes sociais, que o jogador não entende a competência da entidade no futebol e o acusou de ter faltado a reuniões marcadas em episódios anteriores.
“Já que aqueles que deveriam não te explicam o que é que La Liga pode fazer nos casos de racismo, tentamos explicar, mas você não se apresentou em nenhuma das datas acordadas que você mesmo solicitou. Antes de criticar e injuriar La Liga, é necessário que você se informe adequadamente, Vini Jr. Não se deixe manipular e tenha certeza de entender bem as competências de cada um e o trabalho que estamos fazendo juntos”, publicou Tebas.
A publicação foi rebatida no mesmo dia pelo atleta: “Mais uma vez, em vez de criticar racistas, o presidente da La Liga aparece nas redes sociais para me atacar. Por mais que você fale e finja não ler, a imagem do seu campeonato está abalada”.
“Omitir-se só faz com que você se iguale a racistas. Não sou seu amigo para conversar sobre racismo. Quero ações e punições. Hashtag não me comove”, afirmou o atacante.
A reação do presidente da Liga Espanhola também foi rechaçada pelo presidente da Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales. Em coletiva de imprensa realizada nesta segunda-feira, Rubiales admitiu: “Vinicius está mais certo do que pensamos”.
“O objetivo que estabelecemos para nós mesmos é que Vinícius e os demais jogadores que sofreram esse problema possam dizer publicamente que isso não é mais um problema na Espanha o mais rápido possível. Espero que esse dia chegue o mais rápido possível. É para isso que vamos trabalhar”, pontuou.
Brasil
Nesta segunda, o governo brasileiro divulgou uma nota conjunta de repúdio aos ataques racistas. Assinam o documento os Ministérios das Relações Exteriores, da Igualdade racial, da Justiça e Segurança Pública, do Esporte e dos Direitos Humanos e da Cidadania.
O governo federal lamentou profundamente ao governo da Espanha que “até o momento, não tenham sido tomadas providências efetivas para prevenir e evitar a repetição desses atos de racismo”. E cobrou urgência na adoção de medidas sobre a recorrência dos casos de racismo cometidos contra atleta, naquele país. “Insta as autoridades governamentais e esportivas da Espanha a tomarem as providências necessárias, a fim de punir os perpetradores e evitar a recorrência desses atos”.
Nas redes sociais, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, cobrou uma postura mais firme de entidades esportivas, governos, da imprensa e de patrocinadores. Segundo ele: “o racismo se tornou parte integrante do espetáculo esportivo”.
“Reafirmo: a La Liga, as entidades europeias de futebol, a FIFA, os clubes, as empresas patrocinadoras, parte da imprensa e os governos estão sendo coniventes e se servindo do racismo. Devem, por isso, ser chamados à responsabilidade, juntamente com os agressores diretos”, publicou o ministro.
Também nas redes, o Ministério da Igualdade Racial informou que o Brasil vai notificar oficialmente as autoridades espanholas e a Liga Espanhola.
*Com informações da Agência Brasil e Uol.
Edição: Jaqueline Deister