Em decisão histórica, a Corte Constitucional da Colômbia resolveu descriminalizar o aborto nas primeiras 24 semanas de gravidez. Com a sentença expedida na última segunda-feira (21), as mulheres que optarem por interromper a gravidez até o sexto mês de gestação, por qualquer que seja o motivo, não serão mais punidas por isso.
Até a decisão de ontem, o aborto no país era permitido apenas em casos de estupro, de risco à saúde da gestante ou de malformações no feto que comprometessem sua sobrevivência. Fora estas exceções, as mulheres que recorressem ao procedimento poderiam ser condenadas a penas de até 4 anos e meio de prisão.
Ainda de acordo com a Corte Constitucional, a norma antiga segue valendo para os abortos praticados após a 24ª semana de gestação.
Após o anúncio da decisão, centenas de mulheres com lenços verdes – item simbólico da luta por liberdade e autonomia reprodutiva – comemoraram a conquista do lado de fora do Tribunal, na capital Bogotá.
“Que emoção ter vivido para finalmente ver essa conquista para as mulheres na Colômbia! Depois do direito ao voto, esta é a conquista histórica mais importante para a vida, autonomia e realização plena e igualitária das mulheres”, publicou nas redes sociais a prefeita de Bogotá, Claudia López.
Na esteira de Argentina, Uruguai, Cuba e Guiana, a Colômbia torna-se o quinto país latino-americano a flexibilizar o acesso ao aborto em seu território. No México, a interrupção voluntária é legalizada apenas em algumas regiões e, em todos os casos, a data limite é a 12ª semana de gestação.
Descriminalização
Diferente do processo de legalização, que pressupõe a criação de leis que regulem um determinado ato ou prática, a descriminalização significa apenas que uma determinada conduta – que até o momento era considerada crime – não será mais reconhecida dessa forma.
Na prática, a descriminalização do aborto até a 24ª semana na Colômbia significa a exclusão do referido crime do Código Penal do país, o que faz com que não exista mais uma pena definida por lei para as mulheres que assim procederem. Neste sentido, como próximo passo, os movimentos feministas colombianos exigem que o Congresso regularize a norma sobre o tema e amplie os espaços de acolhimento e atendimento médico no sistema de saúde pública do país.
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De acordo com a Causa Justa, coalizão feminista composta por mais 100 organizações sociais e promotora do processo analisado pela Justiça colombiana, pelo menos 350 colombianas foram condenadas por estupro nos últimos 15 anos, sendo 85 menores de idade. Ainda segundo o movimento, só em 2020, mais de 4 mil meninas entre 10 e 14 anos tornaram-se mães no país, apesar da relação sexual com menores de idade ser ser considerada estupro e, portanto, se enquadrar nas causas do aborto legal.
24ª semana
Em resposta às críticas sobre o prazo definido pelos juízes da Corte colombiana, a advogada e ativista do Causa Justa, Catalina Martinez, informou nas redes sociais que, desde 2006, mais de 80% dos abortos ocorridos no país foram realizados no primeiro trimestre de gestação. Segundo ela, a taxa de abortos após os três primeiros meses não ultrapassa os 15% e, nestes casos, as vítimas costumam ser “meninas vítimas de violência sexual que não sabiam que estavam grávidas ou mulheres rurais que foram expulsas de um centro de saúde para outro”.
Frente a tal cenário, a advogada defende a criação de uma “política integral de saúde sexual e reprodutiva e de prevenção à violência” para assegurar que meninas e mulheres tenham acesso a “educação sexual integral, informação e métodos contraceptivos”. Na publicação, Martinez ainda faz um apelo à sociedade para que confie mais nas mulheres:
“E, é claro, confiem que sempre tomaremos as melhores decisões para nossas vidas. Confiem nas mulheres. Não somos essas entidades irresponsáveis e promíscuas que eles criaram em suas cabeças. Somos transformadoras e cidadãs plenas desta democracia”, concluiu.
Brasil
No Brasil, a interrupção voluntária da gravidez é considerada crime, conforme os artigos 124 a 128 do Código Penal. De acordo com a norma, a gestante que praticar o aborto pode ser condenada à pena de detenção de 1 a 3 anos. No caso de médico responsável e de quem leva uma mulher para abortar a pena pode chegar a 10 anos.
Pela lei brasileira, o aborto só é autorizado em três situações específicas: em caso de estupro, de feto anencéfalo (malformação do cérebro durante a gestação), e quando há risco de vida para a gestante.