Pelo 13° ano consecutivo, o Brasil é o país que mata mais pessoas trans no mundo. Só em 2021, pelo menos 140 pessoas trans foram assassinadas no país, das quais 135 eram travestis e mulheres transexuais. E em pelo menos 72% dos casos, os crimes envolveram requintes de crueldade e uso excessivo de violência.
Estes são apenas alguns dados do “Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais” publicado nesta sexta-feira (28), véspera do Dia Nacional da Visibilidade Trans, pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). A quinta edição da pesquisa reúne informações sobre a situação de violência e violações de direitos humanos de pessoas trans brasileiras no ano de 2021 e foi lançada oficialmente na sede da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em Brasília.
De acordo com a Antra, além de denunciar a violência praticada contra pessoas trans no Brasil, o Dossiê tem como objetivo alertar para a necessidade de políticas públicas focadas na redução de homicídios da população que é considerada o principal grupo vitimado por mortes violentas intencionais no país.
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Segundo o documento: “As respostas à situação geral em que se encontram as pessoas trans ainda são insatisfatórias por parte da administração pública, dos estados e do governo federal”. Nesse sentido, o estudo busca confrontar a omissão do estado “para que sejam pensadas políticas públicas e traçadas estratégias de enfrentamento e erradicação da transfobia”.
Dados
O mapeamento da Antra aponta que as vítimas mais frequentes são pessoas pretas, jovens e profissionais do sexo. De acordo com o dossiê, 81% das vítimas se identificavam como preta ou parda, 60% tinham entre 13 e 29 anos e 78% trabalhavam como profissionais do sexo. Neste último caso, destaca-se o fato de que cerca de 80% das vítimas sequer conheciam o suspeito do crime.
Outra característica marcante dos crimes contra pessoas trans tem sido o uso de requintes de crueldade e uso excessivo de violência. Segundo o relatório, em 2021 pelo menos quatro das vítimas foram queimadas vivas e em 54% dos casos as vítimas receberam golpes, socos, facadas e/ou tiros no rosto/cabeça, seios e genital.
A quinta edição do documento destaca, inclusive, a morte da pessoa trans mais jovem desde o início da série histórica. Em janeiro de 2021, Keron Ravach, de 13 anos, foi assassinada no município de Camocim, interior do Ceará. Segundo a polícia, Keron foi violentada até a morte com socos, pontapés, pauladas, pedradas e facadas.
Na análise por regiões, a pesquisa revela que o Sudeste concentra 35% dos homicídios da população trans, seguido das regiões Nordeste (34%), Centro-oeste (11%), Norte (10,5%) e Sul (9,5%). Em números absolutos, São Paulo foi o estado com o maior número de casos (25) em 2021, se mantendo no topo do ranking pelo terceiro ano consecutivo. Na sequência vem Bahia, com 13 casos; Rio de Janeiro, com 12, e Ceará, com 11.
Ainda como elementos comuns dos crimes de transfobia e transfeminicídio o dossiê da Antra ressalta: a responsabilização da vítima, a impunidade, a falta de informações e a influência do cenário político institucional.
“O Brasil não tem assumido a proteção de raça (etnia e grupo) em suas ações governamentais, campanhas e políticas públicas, mesmo comprometendo-se nas assembleias da ONU e junto a outros órgãos internacionais. O mesmo tem ocorrido em relação a violência de gênero e àquela motivada pela discriminação por orientação sexual e/ou pela identidade de gênero das pessoas LGBTQIA+. Temos nos constituído cada vez mais como uma nação racista, feminicida e LGBTIfóbica, com graves violações dos Direitos Humanos dessas populações”, afirma o Dossiê.
De acordo com a ONG Transgender Europe, que faz o monitoramento mundial de casos, o Brasil segue em 2022, pelo 13° ano, como o país que mais mata pessoas trans do mundo, com cerca de 38% dos assassinatos de travestis e de homens e mulheres trans ocorridos no planeta.
Transfobia
Segundo decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em janeiro de 2019, que reconheceu a LGBTIfobia como crime de racismo nos termos da Lei 7716/89, “qualquer ação e/ou discriminação motivada pela identidade de gênero de um indivíduo” pode ser julgada como crime, com pena de um a cinco anos de prisão, além de multa.
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Sobre tal definição, a Antra acrescenta e detalha que o comportamento transfóbico pode ser caracterizado também como: “quaisquer atitudes inferiorizantes, degradantes ou humilhantes que pode ou não incluir agressões físicas, verbais, simbólicas, materiais, patrimoniais e/ou psicológicas manifestadas com o intuito de violar direitos, negar acesso ou dificultar a cidadania, coibir a livre expressão de gênero, assim como a de negar o reconhecimento da autodeclaração de gênero de travestis, transexuais e demais pessoas trans quando sua identidade de gênero for um fator determinante para essas violências ou violações, seja por ação direta ou por omissão”.
Edição: Jaqueline Deister