A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) se reuniu, nesta quinta-feira (3) com a família de Moise Kabagambe, o congolês brutalmente assassinado no dia 24 na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. O encontro foi acompanhado pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ) e pelo deputado federal e membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Marcelo Freixo (PSB).
Durante a reunião, os advogados, políticos e familiares de Moise discutiram medidas para cobrar justiça das instituições de segurança pública e do judiciário brasileiro, com a identificação e punição dos responsáveis pelo crime, mas também para garantir a segurança dos familiares do africano e de tantos outros refugiados que vivem no país em situação de vulnerabiliade.
De acordo com a deputada estadual e presidente da CDH da Alerj, Dani Monteiro (PSOL), desde que soube do caso a comissão tem trabalhado no sentido de resgatar a dignidade e assegurar à família de Moise o exercício de sua cidadania. Neste sentido, a comissão tem priorizado as demandas de saúde, especialmente a saúde mental, e de segurança da família.
“Dona Ivone [mãe] e os outros três irmãos de Moise moram em uma área em que é flagrante o controle da criminalidade e dos poderes paramilitares. Então, a segurança da família é uma preocupação direta dessa comissão, que buscará entidades de defesa dos direitos humanos, bem como programas de proteção do Estado para garantir que a família não seja cerceada e não sofra ainda mais violações do que as que já estão sofrendo”, explicou a deputada à Pulsar.
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A presidente da CDH acrescentou que a comissão acompanhará não só o andamento do inquérito na Delegacia de Homicídios como também os desdobramentos do caso “para que não só cheguemos ao final desse inquérito na prisão e condenação dos assassinos de Moise mas para que outros jovens imigrantes não sofram o que Moise sofreu”.
Autora de três projetos de lei referentes à garantia de direitos de imigrantes e refugiados que residem no Rio de Janeiro, Dani Monteiro ainda prometeu organizar uma audiência pública sobre o tema na Alerj e encaminhar ao plenário “proposições legislativas que garantam a produção de dados, acesso a emprego, acesso à renda e acesso à escolarização desses que chegam ao nosso país pedindo asilo humanitário”.
Na mesma linha, o deputado federal Marcelo Freixo reforçou que a proteção em casos como o de Moise “passa por um posicionamento das instituições”. Segundo o parlamentar, o crime cometido contra o congolês deve “unir todo mundo em medidas para que isso não aconteça novamente”.
“Essa família fugiu da guerra para os filhos não morrerem dessa maneira. Esse é um dos relatos mais dolorosos que eu já ouvi em tantos anos de vida pública. Em cima de um caso que a gente pode e deve atender concretamente a essa família, que a gente também faça disso uma ação que não se repita. Não se pode banalizar um caso como esse. Isso é muito grave”, comentou Freixo durante o encontro.
Agressores
Na última quarta-feira (2), a Polícia Civil prendeu preventivamente os três agressores que aparecem nas imagens gravadas pelas câmeras de segurança do quiosque Tropicália. Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, conhecido como “Dezenove”, Brendon Alexander Luz da Silva, o “Tota”, e Fábio Pirineus da Silva, o “Belo”, foram indiciados por homicídio duplamente qualificado, por conta do uso de meio cruel e por não ser possível a defesa da vítima.
De acordo com os depoimentos prestados à policia, os três acusados informaram que trabalhavam para o policial militar Alauir de Mattos Faria, dono do quiosque Biruta, vizinho do quiosque Tropicália, onde ocorreu o crime. Tota e Dezenove eram funcionários do próprio quiosque, enquanto Belo trabalhava em uma barraca de cadeiras e guarda-sóis que também pertence ao estabelecimento do policial.
Segundo as investigações, Moise era conhecido de alguns dos agressores. Ele chegou a prestar serviços no Tropicália, mas foi no quiosque Biruta onde trabalhou recentemente e foi cobrar a suposta dívida que, conforme relatos da família, seria de R$200.
Sobre o contexto do crime, os três acusados tentaram desqualificar o congolês afirmando que ele seria usuário de drogas e que estaria bêbado naquela noite. Os acusados ainda alegaram que Moise teria tentado roubar cervejas do freezer do Tropicália e que eles teriam entrado em ação para proteger o atendente do quiosque e testemunha no processo, Jailson Pereira Campos.
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A mãe e os irmãos do congolês também estiveram na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) para prestar depoimentos. A família foi acompanhada pelo Procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB/ RJ, Rodrigo Mondego, que negou as acusações de que Moise estaria bêbado no momento do crime e de que seria usuário de drogas.
“A gente vê uma tentativa de criminalização da vítima. Tentar desqualificar a vítima para justificar a barbárie. Isso acontece cotidianamente em diversos casos. Sempre tentando colocar alguma coisa que a vítima fez e que ela, sim, gerou a violência que ela mesmo sofreu. A gente não vai permitir que ataquem a memória dele [Moise] e que deixem impune esse crime que aconteceu ”, afirmou o procurador nesta quinta-feira durante a reunião com a CDH da Alerj.
Patrões
Quem também se apresentou à DHC ainda na quarta-feira foi o empresário Carlos Fabio da Silva Muzi, responsável pelo quiosque Tropicália.
De acordo com a polícia, ele relatou conhecer Moïse desde 2019 mas garantiu que o congolês não estava mais trabalhando no quiosque. Segundo o empresário, como na maior parte dos quiosques da praia, o Tropicália não trabalha com funcionários fixos, apenas prestadores de serviços que atuam de forma temporária e recebem por comissão.
Segundo a própria polícia, o dono do Tropicália não tem nenhuma relação com a morte e colaborou cedendo as imagens de vídeo à investigação.
Nesta quinta-feira foi a vez de Alauir de Mattos Faria, responsável pelo quiosque Biruta, comparecer à DH para esclarecer se conhece os agressores e se, de fato, eles trabalhavam em seu estabelecimento. Lotado no 41° Batalhão da Polícia Militar (Irajá), Alauir chegou acompanhado do advogado e parentes. O depoimento foi acompanhado também por um equipe da Corregedoria Interna da PM.
De acordo com a defesa do PM, a verdadeira dona do estabelecimento seria a irmã, Viviane Faria. Alauir apenas costumava ir ao quiosque para ajudá-la e por isso foi confundido como dono. Contudo, de acordo com nota emitida nesta quinta-feira pela Orla Rio, concessionária responsável pela administração dos quiosques, a ocupação do Biruta é irregular e, inclusive, desde julho do ano passado corre na Justiça uma ação de reintegração de posse do estabelecimento.
Segundo a Orla Rio, o contrato para a administração do Biruta foi celebrado com o antigo operador Celso Carnaval, que entregou a operação do quiosque a Alauir sem qualquer consulta à empresa. Ainda segundo a concessionária, o ex-operador teria sido notificado por irregularidades como a não comprovação da regularização dos funcionários, falta de observância das normas sanitárias e inadimplência.
Apoio
Além das Comissões de Direitos Humanos da Alerj e da OAB-RJ, o caso de Moise tem sido acompanhado por diversas organizações como a Cáritas do Rio de Janeiro, a Anistia Internacional, a Agência da ONU para Refugiados (Acnur) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Na madrugada desta quinta-feira, integrantes do Levante Popular da Juventude realizaram um ato público na Avenida Lúcio Costa, em frente ao local onde Moise foi assassinado. Vestidos de preto, eles ocuparam uma faixa da via, atearam fogo em pneus e, além de cobrar justiça por Moise, protestaram contra o racismo e a precarização de direitos trabalhistas.
Novos atos estão agendados para o próximo sábado (5) no Rio de Janeiro e São Paulo. No Rio, a manifestação deve ocorrer no mesmo local, na Barra da Tijuca, às 10h. O protesto tem sido organizado pela família de Kabagambe e toda a comunidade congolesa do estado. Em São Paulo, o ato será realizado em frente ao Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), na região central da capital paulista.
Edição: Jaqueline Deister