Povos e comunidades tradicionais do litoral nordestino realizaram na última terça-feira (14) um evento online para debater os riscos ambientas e sociais envolvidos na instalação de um empreendimento de exploração de petróleo pela ExxonMobil na Bacia Sergipe, em Alagoas. A live foi organizada pela campanha “No Tempo da Maré” e contou com a participação de representantes quilombolas, indígenas e de associações de pescadoras e pescadores.
Durante o evento, além dos possíveis impactos ambientais da atividade de perfuração marítima, os participantes denunciaram a falta de diálogo da empresa e do Estado com as populações que serão afetadas pela exploração de óleo e gás na foz do Rio São Francisco. Inclusive, o evento foi propositalmente realizado no mesmo horário em que ocorria uma audiência pública virtual com representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e da petroleira.
Em jogo
No início da semana, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com um pedido na Justiça para suspender a audiência. A ação tinha como objetivo justamente garantir que as comunidades quilombolas e tradicionais fossem ouvidas de forma prévia, livre e informada sobre a atividade. O pedido do MPF também reivindicava que as audiências públicas, que contam como etapa do processo de licenciamento ambiental, fossem realizadas em formato presencial com atendimento das diretrizes sanitárias locais.
“É uma vergonha que neste momento estejam o Ibama, o governo do estado e a ExxonMobil numa audiência pública que é uma boiada passando sobre as comunidades. Não respeitam as convenções internacionais, não respeitam os direitos das comunidades tradicionais, seus saberes e organizam um processo e todo um teatro para de fato expulsar as comunidades e não permitir que a sociedade civil decida o que quer para seus territórios e para suas vidas” comentou Marcelo Calazans, membro da campanha “Nenhum Poço a Mais” e participante da live.
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No início de setembro, mais de 100 organizações nacionais e internacionais publicaram uma carta em que denunciavam que a conduta da ExxonMobil descumpre a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que garante aos povos impactados por este tipo de empreendimento uma consulta prévia, livre, informada e de boa fé. O documento lembra que o Brasil é signatário da Convenção desde 2004 e que a norma prevê ainda que esta Consulta deve ocorrer em respeito aos tempos e modos de vida destes povos.
“A consulta deve ser prévia, pois devemos opinar sobre o empreendimento antes dele ser instalado, livre, pois não deve haver pressões por parte do governo ou empresa para que nos posicionemos e informada, pois o governo deve disponibilizar todas as informações de forma acessível sobre o projeto/obra para que as comunidades possam entender o tamanho do impacto que será causado”, explica a carta que ainda cita o histórico de crimes ambientais da ExxonMobil, em especial o vazamento de petróleo no estado do Alasca que ficou conhecido como “Maré Negra” e foi considerado, até 2013, o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos.
Segundo a representante da da Articulação Nacional de Pescadoras, Cícera Estevão, a opção por realizar a live no mesmo horário da audiência convocada pelo Ibama foi uma decisão política.
“Essa empresa chegou agora, jogou tudo na mídia, e aí queria que as comunidades participassem de um processo com eles. De audiência, reuniões online… muitos pescadores não têm condições de estar numa reunião online. E eles jogando isso de goela abaixo. Estão continuando com o processo deles. Está acontecendo agora a audiência pública deles e só a gente sabe o que a gente vai sofrer com isso”, alertou.
Alerta
Na mesma linha, Marizélia Lopes, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil, também criticou a postura do Ibama e defendeu que a agenda de audiências seja construída a partir das demandas dos povos afetados e não da petroleira.
“As empresas têm o tempo delas e a gente tem o nosso. A gente não vai deixar de pescar nas marés boas para estar a serviço das empresas e cumprir as pautas das empresas. A gente segue o ritmo da maré, da lua, que é o que nos orienta. E a gente exige do Ibama que reconheça e garanta o direito de consulta. A gente não quer ser marionete na mão dos empresários. Porque essas audiências tem servido pra isso: apresenta o projeto e dá como concluído. Sem a gente ter direito de mexer no projeto. A gente externa nossas opiniões, a gente se coloca, mas esse direito de mudança do projeto não é garantido”, alertou.
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Segundo Gabriela Kassa, representante dos Kariri-Xocó, os povos indígenas assim como as demais comunidades tradicionais afetadas pela perfuração dos poços de petróleo não admitirão serem silenciados em relação ao projeto. De acordo com ela, para que os princípios de consulta livre, prévia e informada sejam garantidos, as comunidades devem ser consultadas ao longo de todo o processo, “não meramente em uma reunião que se faça perguntando se aceitamos ou não que esses empreendimentos venham impactar dentro de nossos territórios”.
Gabriela também fez questão de ressaltar a responsabilidade dos povos e comunidades tradicionais como guardiões do ambiente.
“Fica claro que nós, povos tradicionais que habitamos a região do Vale do São Francisco, somos de fato os guardiões dessa riqueza e dessa biodiversidade. Haja visto o que tem acontecido com o rio depois da transposição. O que seria desse trecho do nosso rio se não fosse as reservas de mata ciliar existentes dentro dos territórios tradicionais nas áreas indígenas e quilombolas ao longo do vale? Esse rio já teria sido assoreado se não fosse as nossas matas, onde preservamos as nascentes de água que abastecem o rio São Francisco” explicou.
Conforme comentou o ativista Marcelo Calazans, as empresas petroleiras, de um modo geral, atuam não apenas para extrair lucros, mas também para reforçar a afirmação de um modelo de desenvolvimento específico em detrimento de outros modos de vida.
“As empresas petroleiras querem destruir as comunidades não apenas porque ali há petróleo e gás. Mas também para apagar a memória de que é possível construir sociedades que protegem o meio ambiente, que garantem os direitos e a vida comunitária. Querem apagar a memória desses povos para não deixar que nos iluminem para outras transições. Essas, sim, reais e necessárias nessa sociedade petroleira” concluiu.
Audiência
Conforme informações do jornal Tribuna Hoje, durante a audiência pública online, consultores da ExxonMobil apresentaram os riscos do projeto e o planejamento para solucionar e prevenir acidentes como, por exemplo, vazamento de óleo. A audiência foi presidida pelo diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, Jônatas Trindade, que fez questão de destacar que o órgão ainda não concedeu a licença para a atividade. O servidor lembrou que a audiência pública é uma das etapas para qua a empresa consiga a licença.
Segundo os representantes da petroleira, o local da exploração fica a cerca de 80 quilômetros mar adentro da cidade de Aracaju, capital do Sergipe. O oceanógrafo e consultor do projeto, Pedro Martins, explicou que vários impactos ambientais podem acontecer no decorrer do tempo de exploração de óleo na região. De acordo com ele, os mais comuns seriam colisões com animais marinhos e aves e introdução de espécies exóticas vindas incrustadas nos cascos dos navios, o que poderia causar um desequilíbrio na fauna local. O consultor, porém, afirmou que a empresa possui um planejamento de monitoramento e prevenção para casos deste tipo e que, possivelmente, nenhum dano ambiental deve ocorrer na região.
Ainda conforme Martins, a pesca na região não será afetada, pois a área de exploração da ExxonMobil ficará distante da área de atividade pesqueira. Já em relação ao risco de vazamento de óleo, os representantes da petroleira disseram que a empresa se responsabilizará por qualquer problema que venha a ocorrer e que, em caso de acidente, as comunidades serão assistidas.
Sobre a promessa de empregos, os consultores informaram que não há expectativas de geração de empregos para as comunidades durante a primeira fase de exploração.
Edição: Jaqueline Deister