Família, saúde, educação e meio ambiente. Estes são os temas mais importantes para os jovens brasileiros de acordo com a Pesquisa Juventudes do Brasil, lançada na última sexta-feira (8) pela Fundação SM e pelo Observatório da Juventude na Ibero-América (OIJ).
Realizado em parceria com pesquisadores e pesquisadoras da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o estudo ainda aponta que, apesar de bem informados e mais escolarizados que a geração dos pais, os jovens brasileiros de hoje têm dificuldades para idealizar soluções coletivas e convivem com o medo e a insegurança em relação ao futuro.
A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2019 e contou com 1.740 entrevistas de jovens de 15 a 29 anos e residentes nas cinco regiões do país. Os participantes responderam a questões sobre participação sociopolítica, valores, autopercepção, religiosidade, perspectivas de futuro sobre estudo e trabalho e principais atividades de cultura e lazer. Também fizeram parte das entrevistas temas como migrações, diversidade, igualdade de gênero, o impacto das tecnologias nas relações e nos hábitos de consumo e os principais medos e preocupações.
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Segundo os pesquisadores, além de retratar a realidade de milhões de jovens brasileiros, o levantamento tem como objetivo apoiar e inspirar instituições, educadores e todas as pessoas que atuam com processos educacionais e com o desenvolvimento integral da juventude. Atualmente, dos cerca de 211 milhões de brasileiros, aproximadamente 50 milhões são jovens, o que corresponde a mais da metade dos eleitores do país.
Tecnologia
De acordo com o professor da Faculdade de Educação da UFF e coordenador da Pesquisa Juventudes do Brasil, Paulo Carrano, uma das principais características da atual juventude está ligada ao uso das tecnologias digitais de informação e comunicação. Segundo a pesquisa, 96% dos jovens brasileiros declaram usar a internet para fins variados, tais como o uso de mídias sociais, aplicativos de músicas ou vídeos, troca de mensagens ou buscas de informação.
“Ser jovem hoje é ser um sujeito de experimentação deste mundo veloz das redes sociais, da comunicação digital. Mesmo na falta do acesso, mesmo aqueles que não conseguem acessar à internet, eles estão em busca do acesso. Então isso faz uma ligação. É uma questão comum”, comentou o pesquisador.
Ainda neste sentido, Carrano destaca como traço comum dos jovens de hoje uma maior autonomia em relação às instituições do mundo adulto para “se fazer sujeito”. Segundo o pesquisador, “não é que a influência das tradições e dos adultos seja irrelevante”, mas as novas tecnologias têm proporcionado aos jovens mais autonomia para se informar sobre a realidade, interpretá-la e tomar decisões.
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Contudo, neste ponto o professor ressalta que as condições de acesso às informações bem como o tipo de diálogo que os jovens conseguem estabelecer com instituições educacionais e culturais em seu entorno são fundamentais para definir o grau de autonomia que eles de fato dispõem. Como exemplo, Carrano cita que o telefone celular foi apontado na pesquisa como o equipamento mais utilizado pela juventude do país para a conexão com a internet (94%).
“O que significa não ter, por exemplo, um computador desktop para você enfrentar agora o desafio do ensino remoto. Isso é muito sério. Alguns softwares e algumas atividades não são bem desenvolvidas no celular. Muitas coisas precisam de uma banda larga”, ponderou.
Insegurança
Outra caractarística comum constatada pela pesquisa diz respeito ao medo e à incerteza diante do futuro. De acordo com o levantamento, 40% dos jovens têm medo de não conseguir trabalho e 34% se preoucupa com dívidas.
A violência e as mudanças climáticas também aparecem entre as principais preocupações: 49% dos jovens sentem medo “quase o tempo todo” de assaltos no caminho para escola, casa ou trabalho e 37% temem serem atingidos por bala perdida. Sobre o futuro do planeta, 47% declararam ter medo da destruição do meio ambiente. Para o coordenador da pesquisa, tais dados podem ser interpretados como reflexos de uma sociedade em que a violência em geral organiza o próprio território e modo de vida.
“Uma vez um jovem falou pra mim que se sente muito cansado, e cansado de pensar no futuro. É muito interessante porque uma das maneiras de se relacionar com este campo da incerteza é se refugiar no presente. Mas, ao mesmo tempo, esses jovens se sentem inseguros e essa incerteza vai causar um agravo na própria saúde mental. Por isso é preciso ter políticas públicas! Por isso é preciso ter suporte para esses jovens, especialmente naqueles espaços sociais e familiares onde esses suportes não estão dados” concluiu.
Desconfiança
A Pesquisa Juventudes do Brasil também indica um alto nível de desconfiança dos jovens em relação às instituições públicas. Das 14 instituições elencadas apresentadas pelo estudo, nenhuma desperta mais de 80% de confiança. No índice de “muita confiança”, igrejas e instituições religiosas são as que lideram com 36% das respostas, seguida das Forças Armadas (32%), do sistema educacional (28%) e da polícia (22%).
Entre as instituições que mais despertam as suspeitas dos jovens estão os partidos políticos (82%), o Congresso Nacional (80%), o governo (69%) e a presidência da República (63%). Segundo os organizadores da pesquisa, tal cenário reforça a tendência de crise de representatividade nos sistemas políticos atuais e “pode gerar uma significativa vulnerabilidade dos processos civilizatórios e democráticos”.
Pandemia
Sobre o fato da pesquisa ter sido realizada antes da chegada da pandemia de Covid-19, Paulo Carrano garante que isso não interfere na relevância dos resultados. Ao contrário, segundo o professor, o estudo identifica questões que foram aprofundadas pela pandemia e, portanto, esse intervalo cria justamente “a possibilidade de ter um marco balizador para que a gente possa entender o mundo pós-Covid”.
O quadro de desigualdade de acesso à internet e de desigualdade na educação, por exemplo, já estava dado no segundo semestre de 2019. Segundo a pesquisa, antes mesmo da pandemia, 24% dos jovens disseram ter abandonado os estudos por necessidade de trabalhar, 23% por responsabilidades precoces e 20% por dificuldades econômicas.
Embora considere que a pandemia de Covid-19 no Brasil somada à “inércia do poder público, em especial o Governo Federal, diante das necessidades mais prementes da juventude brasileira” aprofundou ainda mais as desigualdades entre os jovens, Carrano repara que neste período também foi possível observar uma movimentação solidária por parte da juventude.
“Nós temos no Brasil uma dificuldade para que os jovens se organizem em coletivos e saiam de uma vida atomizada. Isso ainda é uma dificuldade. A pesquisa mostra isso: somente 30% dos jovens participam de algum coletivo, grupo ou ação social. Mas na pandemia, até como necessidade de solidariedade, muitos coletivos juvenis se organizaram e especialmente em territórios de favela”, sublinha o professor.
Na opinião de Carrano, para alguns grupos de jovens a pandemia no Brasil foi reveladora no sentido de que “essa movimentação em torno da competição tem um limite. E o limite é a cooperação, é a solidariedade”. Segundo o pesquisador, esse é o desafio para o qual muitos coletivos juvenis já estão tentando dar resposta.
“A gente tem aí fios de esperança que vão se desenvolver se a gente equilibrar o jogo entre competição e cooperação. Então, a grande questão que eu acho que essa pesquisa pode ajudar, e as próximas também, é formular a pergunta: ‘o que eu fiz com aquilo que a pandemia fez comigo?’”, destacou.
Mundo
A Pesquisa Juventudes no Brasil é a seção brasileira de um estudo amplo desenvolvido pela Fundação SM com o OJI para fomentar a investigação sobre juventude, educação e cultura nos países ibero-americanos. Além do Brasil, a pesquisa também foi realizada na Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, México, Peru e República Dominicana.
Edição: Jaqueline Deister