Por Filipe Cabral
Brasileiros e brasileiras elegeram um Congresso Nacional mais conservador em temas relacionados a direitos sexuais e direitos reprodutivos, violência contra a mulher, concepção de família, visão sobre o cuidado, religião e com posições antigênero. Esta é a conclusão do estudo produzido pelo Centro Feminista e Estudos e Assessoria (Cfemea) sobre o perfil dos/as parlamentares eleitos/as em 2022.
Para traçar o perfil político dos/as representantes que compõem a Câmara dos Deputados e o Senado e seus respectivos posicionamentos em relação às temáticas de gênero, o levantamento analisou informações públicas da Justiça Eleitoral, publicações em redes sociais e respostas dos/as próprios/as parlamentares a um questionário elaborado para o estudo.
De acordo com o Cfemea, os resultados apontam para o fato de que “a grande maioria dos/as parlamentares eleitos/as estão distantes das agendas feministas e antirracistas, ou mesmo, quando apresentam proximidade, apontam propostas que podem fortalecer as violências por razões de gênero e raça”.
Os números do levantamento apontam, por exemplo, que 50,2% dos deputados e 64% dos senadores consideram a Lei Maria da Penha como uma conquista para combater a violência contra as mulheres. Contudo, somente 26% dos deputados e 21% dos senadores reconhecem o machismo como um problema estrutural no contexto da violência contra as mulheres.
Em relação aos direitos sexuais e reprodutivos, o estudo verificou que mais de um terço dos/as deputados/as são contrários à pauta do aborto. Mesmo em casos de vítimas de violência sexual, 21,4% dos parlamentares eleitos (110 deputados) foram identificados como declaradamente contrários ou potencialmente contrários ao atendimento.
A pesquisa ainda apresenta o posicionamento dos/as parlamentares sobre questões como a relação entre religião e política, a concepção de família, divisão sexual e social do trabalho e direitos LGBTQIA. Ao analisar os resultados obtidos, a assessora técnica e de articulação política do Cfemea, Jolúzia Batista, observa que o Brasil não tem apenas um Congresso conservador, mas “um Congresso de extrema-direita e disposto a tudo”.
“Nós temos uma bancada de extrema-direita consolidada e que pretende, nesses próximos quatro anos, manter acesa a chama do bolsonarismo, da polarização, dos ataques anti-democráticos como nós vimos nesse último 8 de janeiro. É uma bancada que está preparada mesmo para criar o caos e tensionar a sociedade brasileira”, afimou à Pulsar.
Perfis
Com base nos dados obtidos, a pesquisa divide os deputados e senadores em cinco grandes grupos ideológicos – com a possibilidade de uma pessoa integrar mais de um grupo.
O “grupo armamentista”, por exemplo, reúne cerca de 10% dos eleitos e, ligado à “bancada da bala”, defende o armamento individual e da liberação das armas para proteger as mulheres da violência. Já o “grupo religioso”, ligado à chamada “bancada da bíblia”, abrange 20% dos parlamentares que se identificam como denfesores da agenda “pró-vida”, contra o aborto.
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Com aproximadamente 25% dos eleitos, o grupo da “pauta de costumes” reúne os defensores da “família tradicional”, que concordam que o lugar exercido pelas mulheres deve ser de mãe, cuidadora e/ou dona de casa. De forma geral defendem que só existem dois sexos e são refratários à agenda LGBTQIAP+.
Com mais de 30% do Congresso, o grupo dos “conservadores” é alinhado às pautas de costume, mas, segundo o estudo, “apoiam algumas lutas das mulheres, sobretudo o combate à violência de gênero e a violência doméstica” e “podem ser considerados potenciais aliados” para eventuais alianças estratégicas.
Por fim, o grupo “feminista” é composto por parlamentares antirracistas que se elegeram apresentando pautas dos direitos das mulheres e da diversidade sexual e corresponde a cerca de 20% do legislativo nacional.
Conservadorismo
Segundo Jolúzia Batista, o “aprofundamento do conservadorismo” no Congresso Nacional confirma uma tendência observada nas últimas legislaturas de “esvaziamento de algumas percepções já consensuadas na sociedade brasileira” como, por exemplo, o enfrentamento à violência contra as mulheres, o enfrentamento à violência e ao abuso sexual de crianças e a gravidez infantil.
“Existe um esforço concentrado, um esforço de estudo, de ressignificação, inclusive, da semântica jurídica para tentar complexificar o debate e o próprio escopo teórico-jurídico dos projetos de lei, jogando confusão, fazendo entender que existe uma defesa da vida das mulheres e dos seus direitos, só que no analisar, no esmiuçar, não é isso que se revela. Se revela o caso que está exemplarmente demonstrado na situação que vive hoje a menina de 12 anos no Piauí, em que foi destacado pela juíza responsável um procurador para o feto em detrimento da vida de uma menina de 12 anos, mãe pela segunda vez vítima de estupro”, ressaltou.
Em entrevista à Pulsar, Jolúzia também observa que o aumento de pena para violadores e a liberação de armas apenas expressam “uma falta de leitura e de coragem de bancar o debate público na sociedade brasileira para atingir a raiz do problema”. Para a assessora do Cfemea, muito mais do que punitivismo, o avanço dos direitos das mulheres passa necessariamente pela via da educação.
“De uma educação não sexista, de campanhas abertas na sociedade brasileira para dizer que soluções afetivas, amorosas ou sexuais não se resolvem com o assassinato de mulheres. Que esse é o pior caminho tomado e vai de encontro à humanidade”, pontuou.
Desafios
Apesar do cenário difícil, no estudo sobre o perfil dos/as parlamentares do Congresso, o Cfemea lembra que, a princípio, um quinto do Congresso tem se posicionado a favor de pautas sobre o valor do cuidado, o combate às violências por razões de gênero, a diversidade das composições de família, o direito ao aborto legal e seguro e a laicidade do Estado.
Segundo Jolúzia, o principal trabalho deste grupo será “qualificar o debate, trazer à cena do parlamento brasileiro debates aprofundados sobre questões que são estruturantes na sociedade brasileira e aprofundar esses temas na concepção das iniciativas de projetos de lei”.
Confira o estudo na íntegra.
Edição: Jaqueline Deister