Na última quarta-feira (27), a “Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida” publicou uma nota técnica sobre os impactos à saúde humana, ao meio ambiente e à agricultura brasileira que serão gerados a partir da promulgação o Decreto Presidencial 10.833/21.
Publicado no Diário Oficial da Uniuão (DOU) no dia 7 de outubro, sem qualquer consulta ao Congresso Nacional e à sociedade civil, o novo decreto de Jair Bolsonaro (sem partido) altera o Decreto 4.074/2002 que, por sua vez, regulamenta a Lei de Agrotóxicos (Lei 7.802/1989).
De acordo com os 135 pesquisadores e pesquisadoras e as mais de 100 organizações e coletivos que assinam a nota técnica, ao flexibilizar a aprovação de agrotóxicos no país, inclusive de substâncias que são proibidas nos Estados Unidos e na Europa, o decreto de Bolsonaro “torna o mercado brasileiro o paraíso dos agrotóxicos mais tóxicos, ineficazes e obsoletos”. Conforme explica a nota, desde que o ex-capitão assumiu o Palácio do Planalto, o país tem batido recordes de registro e aprovação de agrotóxicos com mais de 1.400 substâncias liberadas nos últimos dois anos.
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Ainda segundo os signatários da nota, além de seguir na contramão do que exigem os mercados consumidores internacionais, a norma editada pelo presidente é ilegal e inconstitucional. Primeiro porque “ultrapassa as competências do Poder Executivo (Capítulo II da Constituição Federal), imiscuindo-se nas do Poder Legislativo”. Em seguida, porque afronta “os incisos V e VI do artigo 170, que versam sobre a defesa do consumidor e do meio ambiente, e os artigos 196 (direito à saúde) e 225 (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado) da Constituição Federal”.
Pacote do Veneno
Para as organizações envolvidas na “Campanha Contra os Agrotóxicos”, o Decreto 10.833/21 nada mais é do que uma nova roupagem para o chamado “Pacote do Veneno”, o Projeto de Lei 6.299/02 de autoria do ex-senador Blairo Maggi.
Aprovado pelo Senado Federal e por Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o “Pacote do Veneno” encontra-se estacionado na Câmara e há anos tem sido alvo de críticas de pesquisadores e organizações sociais. As principais dizem respeito às propostas de: flexibilizar o registro de produtos associados À doenças incapacitantes, irreversíveis ou letais; retirar o poder de atuação das áreas de saúde e meio ambiente para gestão de aprovação de novos agrotóxicos; comprometer o acesso a informações importantes sobre o registro e os produtos usados no país; e deixar aberta a fabricação de produtos sem registro no Brasil.
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Desde que o projeto de lei foi apresentado no Congresso, uma série de instituições governamentais e de ensino e pesquisa tem se manifestado contra a sua aprovação. Entre elas estão a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Nacional de Câncer (Inca), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Instituto Nacional de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Defensoria Pública da União (DPU) e até a Organização das Nações Unidas (ONU).
Na internet, o manifesto contra o “Pacote do Veneno” e em favor da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA) já conta com mais de 1,8 milhões de assinaturas.
Contramão
Para Karen Friederich, pesquisadora da Fiocruz e integrante do grupo temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), ao incorporar “o que de mais crítico havia no “Pacote do Veneno” o novo decreto de Bolsonaro representa mais um retrocesso que coloca o Brasil na contramão do esforço mundial pela produção saudável de alimentos.
“As alterações trazidas pelo Decreto 10.833/21 são muito preocupantes. Dificultam o acesso à informações relevantes para a sociedade, mas, principalmente, permitem que sejam registrados no país produtos muito tóxicos para a saúde das pessoas, como agrotóxicos reconhecidamente cancerígenos, que causam problemas hormonais e reprodutivos, além de malformações em bebês”, explica a pesquisadora.
A nota da “Campanha Contra os Agrotóxicos” lembra ainda que, na data de publicação do decreto presidencial “mais da metade dos lares brasileiros, ou 116,8 milhões de pessoas, se encontram sujeitos a algum grau de insegurança alimentar e 19 milhões de pessoas sofrem o desespero de não ter o que comer, isso equivale a cerca de 10% da nossa população em situação de insegurança alimentar grave”.
Edição: Jaqueline Deister