Os últimos anos têm sido bastante duros para a democracia brasileira. Após o golpe parlamentar, jurídico e midiático de 2016, é perceptível o esvaziamento dos espaços de socialização das decisões sobre os rumos do país. Conselhos participativos, mesmo os mais limitados, foram sendo extintos ou esvaziados de forma a afastar movimentos sociais, sindicatos e outras representações populares das formulações de políticas para o país.
Além disso, elegemos um presidente que adora torturadores e a ditadura. Se as perdas são grandes em espaços onde tínhamos alguns avanços, no campo da comunicação, onde a estrutura de oligopólio e a baixíssima participação popular são problemas históricos, a situação é bastante preocupante e a necessidade de regulação e controle social dos meios torna-se fundamental para ampliar a participação da sociedade e garantir que o direito à comunicação seja acessado por todas e todos.
Por que lutar?
Na semana de luta pela democratização da comunicação, esse debate é ainda mais fundamental.
Um dos primeiros pontos que gostaríamos de abordar é o entendimento de que os meios de comunicação constituem uma parte importante da difusão cultural e política. Sendo assim, são fundamentais para as disputas acerca da construção dos consensos sociais, ou seja, da construção de hegemonia e das possibilidades de contra-hegemonia.
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Se possuímos uma estrutura em que esses meios estão ligados somente a segmento social, como é o caso brasileiro, significa que estamos alijando a maioria da população do direito à comunicação e, consequentemente, diminuindo seu potencial de participação no debate político e cultural do país.
Nesse sentido, quando qualquer entidade empresarial ou dono de um grande veículo se coloca contra a regulação e o controle social dos meios comunicação, está, na verdade, se colocando contra a democratização e a universalização de um direito fundamental, que é o direito de se comunicar.
Quando reivindicamos a comunicação como um direito humano devemos lembrar que para isso se concretizar é necessária a universalização do acesso a esse direito. E para que isso seja efetivado, são necessárias algumas garantias que somente o Estado poderia conceder. A principal delas seria o acesso aos meios para exercer esse direito, no caso, o acesso à utilização do espectro eletromagnético, que historicamente no Brasil é ocupado quase que totalmente pelo setor empresarial, relegando à rádios e tevês comunitárias um uso limitado desse bem.
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Vale lembrar que toda a ocupação do espectro eletromagnético é regulada pelo Estado brasileiro, sendo feita por meio de concessões públicas. Esse problema torna-se ainda mais grave diante do processo de digitalização de tevês e rádios (ainda em debate), que oferecem novas e múltiplas possibilidades de canais que ampliam esse poder do setor empresarial.
Censura para quem?
Os empresários de comunicação dissimulam propagando que o controle social e a regulação da mídia seriam uma forma de censura, como se o grande objetivo fosse controlar os conteúdos a serem exibidos.
A falsificação do debate real envolvido na questão expõe também a posição histórica desse setor contra qualquer proposta democratizante para o país e, mais ainda, contra qualquer mecanismo que amplie a participação popular no debate e nas decisões da vida política e cultural e do país. Vale ressaltar que todos os aspectos democráticos de nossa sociedade, incluindo o direito ao voto universal, nunca foram um consenso com os setores da classe dominante do país, mas sim fruto de muita luta daqueles que desejam um modelo de sociedade mais igualitário e que sabem que a democracia é o melhor meio para conquistar isso. Sabemos bem que “a verdade é dura…”
Esse debate sobre controle e regulação deve incluir também as questões relativas ao campo da internet e de telefonia. Afinal, esses também funcionam no espectro eletromagnético e devem ter sua função social debatida de forma democrática e não simplesmente serem destinados a grandes conglomerados internacionais e submetidos aos seus interesses de lucro. Assim como não podemos ficar reféns das grandes empresas de comunicação e seus conteúdos, também não é plausível não termos nenhuma noção sobre algoritmos que influenciam a vida de milhões de pessoas, incluindo processos políticos eleitorais importantes para os rumos do país.
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A história luta das rádios comunitárias nos traz lições fundamentais para a atualização do debate sobre a democratização da comunicação, que também é um ponto fundamental para a nossa democracia. A coletivização da propriedade dos meios de comunicação traz pistas importantes dos caminhos para uma ampla participação e socialização destes espaços fundamentais para as disputas políticas do país.
A negação de qualquer mecanismo que possibilite esse processo democratizante está diretamente relacionada à tentativa de manutenção de poderes políticos e econômicos pelos mesmos poderosos de sempre. Mas sabemos que só a luta popular foi capaz de arrancar avanços e por isso sabemos que é possível (e necessário) conquistarmos muito mais!
Edição: Jaqueline Deister