Nada menos que às vésperas do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, quem sintonizou a RedeTV! se deparou com o discurso de ódio abertamente homofóbico e transfóbico do apresentador Sikêra Júnior, em seu programa “Alerta Nacional”. Numa TV aberta e de alcance nacional, nós, LGBTQIA+ fomos chamades de “raça desgraçada”, associades à pedofilia e ao fim da “família tradicional brasileira”. Seu discurso criminoso, porque homofóbico, era uma resposta à peça publicitária “Como explicar”, de uma rede de fast food.
Nela, filhes de casais homoafetivos tratavam com simplicidade e abertura o tema da diversidade nas formas de amar. A justificativa de Sikêra foi a de “defender as crianças”. Ora, ora, justo ele que diariamente em horário cheio de audiência infantil celebra o “cancelamento de CPFs”, seu slogan de morticínio para saudar a execução de suspeitos por policiais num país em que a pena de morte não é legalizada, mas plenamente aplicada à população pobre, preta e periférica.
Populistas na mídia: a cara e a voz da extrema direita
“Alerta Nacional” é, infelizmente, só mais um dos muitos programas policialescos que infestam a televisão brasileira desde, pelo menos, a década de 1990. “Operação de Risco”, também da RedeTV!, “Cidade Alerta”, da Record, “Brasil Urgente”, da Band são outros exemplos atuais dos principais propulsores do que estudiosos chamam de populismo penal midiático, ou seja, quando os meios de comunicação são utilizados – normalmente através de figuras carismáticas e/ou burlescas como o próprio Sikêra – para defender leis e punições cada vez mais duras como solução mágica para o problema da criminalidade.
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Dentro dessa lógica populista e simplista, quanto mais criminosos e por mais tempo na cadeia, mais segurança pública. Só que, mesmo aprovando leis penais cada vez mais duras e tendo a 3ª maior população carcerária do mundo, o Brasil ostenta a 2ª maior taxa de homicídios da América do Sul. E a solução para essa falácia punitivista é a sua radicalização à barbárie.
Os apresentadores dos programas policialescos – não por acaso homens, brancos e heteronormativos – não se satisfazem somente com as imagens da prisão de suspeitos – não por acaso jovens, negros e pobres. Seu êxtase mórbido, encenado com sarcasmo e deboche, acontece quando a polícia realiza a máxima dos políticos da extrema direita: “Bandido bom é bandido morto”.
Aliás, as relações entre os apresentadores policialescos e a política são muitas: desde as muitas candidaturas próprias até as afinidades ideológicas e pessoais com políticos conservadores, em relações nada transparentes e mutuamente vantajosas.
Recentemente, foi revelado que Sikêra recebeu da Secretaria de Comunicação, de seu amigo Bolsonaro, R$ 120 mil para fazer campanhas do governo, dentre elas a do “tratamento precoce” da Covid-19, em cadeia nacional. Além das violações aos direitos humanos, o apresentador – e a RedeTV! – incorrem assim na violação do próprio direito à vida e à saúde, ao se associar ao Governo Federal na divulgação de tratamentos comprovadamente ineficazes.
Campanha #DesmonetizaSikera
Pouco depois de destilar sua homofobia em cadeia nacional, Sikêra recebeu uma enxurrada de críticas na internet e nas redes sociais. De jornais de grande circulação a posts de famosos, o apresentador sentiu a força contra a intolerância… principalmente no bolso.
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O movimento digital Sleeping Giants Brasil – que tem se notabilizado por notificar e publicizar empresas que financiam discurso de ódio e desinformação – lançou a hashtag #DesmonetizaSikera no dia seguinte às declarações. Um mês depois da campanha, já são 110 empresas que retiraram anúncio do programa Alerta Nacional. Também o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública contra a RedeTV! e Sikêra Jr reivindicando indenização de R$ 10 milhões, exclusão do programa em questão e retratação pública.
“Já pensou ter um filho viado e não poder matar?"
"Raça desgraçada"
"Vocês são nojentos"E QUEM PAGA ESSA CONTA? Ajude-nos a alertar as empresas para que nesse Dia Internacional do Orgulho LGBT façamos mais do que trocar a foto do perfil!✊??️?#DesmonetizaSikera pic.twitter.com/JfMxXXOQnj
— Sleeping Giants Brasil (@slpng_giants_pt) June 28, 2021
Dias depois, as “desculpas” de Sikêra viriam com a reiteração da sua opinião a favor da “família tradicional”. Cinismo maior somente da emissora, que emitiu nota condenando a homofobia e afirmando que “o respeito à diversidade sexual e a não discriminação de cor, raça, gênero ou religião é uma tradição dos 22 anos de existência da RedeTV!”.
Violações reincidentes e a premiação da barbárie
A verdadeira tradição da RedeTV! parece ser mesmo a da violação dos direitos humanos e da promoção da intolerância. Em 2005, numa das mais emblemáticas vitórias do movimento pelo direito humano à comunicação no Brasil, a emissora já havia sido condenada numa ação civil pública contra o programa “Tarde Quente”, de João Kleber, por violações dos direitos de minorias, entre elas, a população LGBTQIA+. A ação conjunta do MPF, Coletivo Intervozes e outras organizações do setor rendeu o primeiro direito de resposta coletivo do país. Depois de sair do ar por 25 horas por descumprir liminar, a RedeTV! se viu obrigada a veicular, durante 30 dias, programas sobre direitos humanos.
Porém, mesmo depois de 16 anos e milhões de reais em prejuízo devido ao atual boicote anti-homofobia, a RedeTV! está dobrando a aposta: Sikêra Jr não só terá mantido seu contrato até 2027 e seguirá a frente do “Alerta Nacional” como vai ser agraciado com um programa dominical. Ainda que o novo programa seja uma iniciativa da afiliada TV A Crítica, responsável pelo contrato do apresentador, já há negociações para a retransmissão da RedeTV!. Punição pela conduta indevida de Sikêra? Nada disso: estímulo e premiação por seu discurso de ódio e… por suas relações próximas e lucrativas com o poder.
Rádios e TVs são concessões públicas, com responsabilidades e deveres previstos na Constituição, em leis nacionais e em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Nesse show de horrores, clientelismos, morticínios e cinismos, a maior responsabilidade deve recair sobre a RedeTV!.
A luta pela cassação de emissoras que ferem os direitos humanos e incitam o ódio é a própria luta contra a barbárie.
Edição: Jaqueline Deister
1 comentário
A Rede Tv precisa sim ser responsabilizada pelo conteúdo que veicula.