Desde quarta-feira (25), a morte de Genivaldo de Jesus Santos dentro de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) tem gerado revolta e protestos no Brasil e no mundo.
Abordado por andar de moto sem capacete na BR-101, na altura do município de Umbaúba, em Sergipe, o homem de 38 anos morreu asfixiado pelo gás lacrimogênio de uma bomba jogado pelos agentes da PRF dentro do porta-malas do veículo. Genivaldo sofria de esquizofrenia e chegou a ser agredido, algemado e amarrado pelos policiais. Toda a ação foi filmada pela população local.
De acordo com especialistas em segurança pública, a morte de Genivaldo é reveladora quanto ao despreparo e a falta de preocupação de agentes da PRF com procedimentos de abordagem nas rodovias federais brasileiras. No dia 18 deste mês, inclusive, dois policiais rodoviários – Márcio Hélio Almeida de Souza e Raimundo Bonifácio do Nascimento Filho – foram mortos por um homem em situação de rua, em Fortaleza, no Ceará, após um deles ter arma de fogo roubada pelo suspeito durante a abordagem.
De acordo com o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, as falhas nas abordagens e o uso escalonado de força por agentes da PRF são “opções que precisam ser explicadas”. Nas redes sociais, o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) explicou que, nas últimas décadas, a PRF tem optado “por se aproximar de governos e oferecer sua estrutura para hospedar projetos de tecnologia”.
Ainda segundo Sérgio de Lima, com o governo Bolsonaro, a PRF “conseguiu ocupar o centro do poder e ser a instituição chave para o projeto de segurança do atual governo”, o que, para o especialista, explicaria em parte as recentes ações desastrosas.
“Não surpreende ela agora estar envolvida com o sufocamento por gás de um doente mental em Sergipe e atuar na Vila Cruzeiro com publicamente fraca base legal, muito provavelmente com uso de tecnologias avançadas de vigilância pouco conhecidas pelo MPF [Ministério Público Federal], que deveria fiscalizá-la”, afirmou o presidente do FBSP, que ainda acrescentou em outra publicação:
“O presidente vai querer associar os casos do Ceará e de Sergipe e dizer que está do lado dos policiais. Veja, se o governo estivesse de fato preocupado com vidas, não deixaria os PRF sem equipamentos adequados para abordagens e jamais permitiria condutas de risco”.
Uso regulamentado
Também pelas redes sociais, a socióloga e diretora-executiva do FBSP, Samira Bueno, destacou que já existem normas que regulam o uso da força por policiais federais.
Segundo ela, a Portaria Interministerial 4.226/2010 determina, por exemplo, “que o uso da força obedeça princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência”. Além disso, a norma estabelece procedimentos de habilitação para o uso de cada tipo de arma de fogo ou instrumento de menor potencial ofensivo, “o que inclui avaliação técnica, psicológica, física e treinamento específico, com revisão periódica”, e determina que nenhum profissional de segurança deverá portar instrumento de menor potencial ofensivo para o qual não esteja devidamente habilitado.
Como complemento, Bueno ainda lembrou da Lei 13.060/2014, que disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública e determina que “cursos de formação e capacitação dos agentes de segurança pública deverão incluir conteúdo programático que os habilite ao uso dos instrumentos não letais”.
Segundo a diretora do FBSP, é comum a utilização de “instrumentos de menor potencial ofensivo” por policiais para, por exemplo, dissipar multidões, “mas jamais deve ser feito em ambientes fechados ou por períodos prolongados numa pessoa” pois a má utilização pode ocasionar a morte.
Sobre a câmara de gás adaptada ao porta-malas de uma viatura no Sergipe, utilizada no homicídio de Genivaldo pelos policiais da PRF, vale destacar que existe norma regulando uso da força das políciais federais. Segue o fio.
— Samira Bueno (@sabueno85) May 26, 2022
Formação
Ainda sobre o despreparo dos agentes da PRF, Samira Bueno aponta que, nos últimos anos, a matriz curricular de formação dos policiais rodoviários sofreu graves alterações. A disciplina “Direitos Humanos e Integridade”, por exemplo, foi extinta neste ano do currículo de 476 horas-aula, sendo 90 de ensino à distância e 386 de formação presencial.
No mesmo sentido, a disciplina “Uso Diferenciado da Força”, que trata, entre diversos temas, sobre situações de contaminação por gás lacrimogêneo, foi reduzida para quatro horas-aula presenciais e oito horas no ensino à distância.
PRF
No boletim de ocorrência, os três policiais envolvidos na morte de Genivaldo relataram ter empregado “espargidor de pimenta e gás lacrimogênio” após a vítima ter apresentado resistência. Segundo eles, as “tecnologias de menor potencial ofensivo” eram as “únicas disponíveis no momento”.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de Sergipe, o laudo do Instituto Médico Legal (IML) apontou que Genivaldo sofreu insuficiência respiratória aguda provocada por asfixia mecânica. Segundo o IML, a asfixia mecânica ocorre por obstrução de ar dos pulmões causada por agente externo.
Em nota publicada na última quinta-feira (26), a PRF disse estar “comprometida com a apuração inequívoca das circunstâncias relativas à ocorrência no estado de Sergipe, colaborando com as autoridades responsáveis pela investigação”.
A corporação também informou que “instaurou o processo disciplinar para elucidar os fatos” e que “os agentes envolvidos foram afastados das atividades de policiamento”. No entanto, até o momento, não detalhou que outras possíveis medidas serão tomadas em relação aos agentes afastados.
Edição: Jaqueline Deister