Parece brincadeira, mas não é. Vários meios de comunicação realmente acham que pessoas de outras nacionalidades não contam como pessoas. Acreditam que seja necessário insistir nessa característica, não chamar pelo seu nome nem chamar de pessoa, como se nacionalidade fosse argumento de culpabilidade de alguma coisa. E infelizmente, esses que acompanhamos não são os únicos exemplos de discriminação com migrantes nos meios de comunicação.
Seja com a desculpa do humor ou apoiados em vai saber qual teoria conspiratória, temos o costume de ouvir e ver os maiores estereótipos na mídia a respeito de diversas nacionalidades, sem mexer nem um fio das nossas consciências. Parece que ainda não acreditamos que, como diria Rita Lee, “nem toda brasileira é bunda”.
Acompanhando esses estigmas, em vários países a população nativa tem a percepção de que as pessoas imigrantes estão em maioria na nação; que vêm ocupar as vagas de emprego, quando a maioria trabalha em atividades ou localidades que xs brasileirxs, em geral, não ocupam; que tiram nosso lugar no atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), quando quem se queixa certamente não está na fila do hospital público para pegar a senha de atendimento. E, na maioria dos casos, uma lista de etcéteras sem sentido nem dados para sustentá-los mesmo que possa existir alguma exceção.
E o papel da mídia?
Dados do censo nacional realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que no ano 2000 das quase 170 milhões de pessoas habitantes no Brasil, 510 mil eram estrangeiras e, quase 174 mil naturalizadas. Ou seja, 0,4% do total da população.
No último censo realizado em 2010, o resultado estimou que o total da população do Brasil fosse de quase 191milhões de pessoas, das quais, pouco mais de 592 mil eram nascidas em outros países e aproximadamente 160 mil pessoas naturalizadas. O que resulta num 0,39% da população.
Porém, segundo a pesquisa “Perigos da percepção” realizada por Ipsos em 2018, brasileiras e brasileiros superestimam em 75 vezes (setenta e cinco vezes!) a quantidade de imigrantes que habitam no país. Neste estudo realizado a cada ano em aproximadamente 37 países, as pessoas são perguntadas: “De cada 100 pessoas em seu país, quantas você acha que são imigrantes, ou seja, têm residência fixa, mas não nascem em seu país?”
Na tabela, é possível identificar, que no Brasil as pessoas acreditam que 30% dos habitantes do país são imigrantes, quando, na realidade, a porcentagem de estrangeirxs é de cerca de 0,4% do total da população. Essa percepção distorcida não é mérito exclusivo do Brasil.
Por um lado, as migrações ou a realidade das pessoas migrantes passam despercebidas para a maioria das agendas informativas ou produções audiovisuais. Por outro, quando são tematizadas, as migrações raramente são abordadas como o que são: um direito humano.
Migrar é um direito humano, previsto no artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, incorporado à Constituição Nacional de diversos países, incluída a do Brasil. No entanto, falar de migrações ou de pessoas migrantes nos meios de comunicação quase nunca tem a ver com falar de direitos.
A Defensoria do Público da Argentina é um órgão criado pela Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, e atua na órbita do Poder Legislativo. Sua função é defender o direito à comunicação das audiências da rádio e da televisão.
Como parte das suas atividades, a Defensoria realiza uma análise das notícias televisivas por meios de alcance nacional, mas que são transmitidas pelos canais abertos da Cidade Autônoma de Buenos Aires (CABA).
Na última análise do “O que é notícia nos informativos da CABA?” de 2019, a quantidade de informações acerca de pessoas migrantes ou migrações alcançou 1,2% do total de notícias avaliadas. Por sua vez essas notícias representaram uma dedicação de 1,3 % do tempo do total de informações analisadas. Além do pouco ou nulo tratamento do tema na mídia audiovisual, as editorias nas que aparecem as temáticas vinculadas às migrações e às pessoas migrantes são “policiais”, “insegurança” ou “internacionais”.
Desta forma, o sentido que se constrói desde a mídia hegemônica é a de que pessoas migrantes de determinados países só podem ser tema dos meios audiovisuais porque estão, ou a mídia as coloca, vinculadas a algum delito, ou porque merecem nossa compaixão pela situação que atravessam em outros países.
São apresentadas como vítimas, quase nunca como profissionais, vizinhxs, fontes de informação, comerciantes, modelos a seguir. Enfim, como pessoas. E se a rádio e a televisão oferecem apenas este olhar, vamos acreditar que é verdade.
Dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM) registram que em 2017, o número de pessoas migrantes internacionais – o total de pessoas que residem em países diferentes ao do seu nascimento – se estimava em 258 milhões . Uma realidade que dá conta do aumento do deslocamento de pessoas em nível mundial se comparada com as 173 milhões de pessoas migrantes internacionais no ano 2000 e as 102 milhões de 1980.
Desse total de pessoas que saíram dos seus países procurando uma vida melhor, quase duas milhões são brasileirxs que também são usuárias de serviços de saúde, de transporte, procuram emprego e que, tomara, sejam melhor tratadxs pelos meios de comunicação locais.
Todxs temos o direito à migrar e a sermos tratadxs como seres humanos com direitos. Afinal, somos pessoas cruzando linhas tão imaginárias que às vezes trata-se apenas de atravessar a rua. Esse e todos os direitos valem também nos meios de comunicação.
Sugestão para assistir:
Videoclipe Movimiento de Jorge Drexler