A participação das mulheres na política brasileira foi o tema central da live realizada na última terça-feira (17) pela Agência Informativa Pulsar Brasil.
Transmitida pelo canal da TV Nestante no Youtube, a roda de conversa marcou a abertura do projeto “Mulheres e a Política, É Chegada a Hora” e contou com a participação de três ativistas e comunicadoras da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil): a jornalista Geralda da Cunha, idealizadora do podcast “Prosa, Mulher e Política”; a radialista e professora Rosa Gonçalves, que produz e apresenta o programa de rádio “Vida de Mulher”, da Rádio Comunitária Independência 104.9 FM e a coordenadora do programa “Rádio Mulher” do Centro das Mulheres do Cabo (CMC), Manina Aguiar. A mediação ficou por conta da coordenadora da Pulsar, Jaqueline Deister.
Ao longo do debate, as convidadas trataram de assuntos como o preconceito e o machismo na política institucional, a violência política contra mulheres e a luta das mulheres por maior representatividade em espaços públicos de decisão. Com experiências que vão de Goiás ao Ceará e Pernambuco, as participantes também destacaram a importância de iniciativas voltadas para a formação política de lideranças feministas, da criação de redes de apoio a candidatas e parlamentares eleitas e, em especial, da atuação de redes de comunicação popular e comunitária no fortalecimento de candidaturas e mandatos de mulheres.
Para Rosa Gonçalves, a primeira barreira imposta às mulheres que desejam participar da política brasileira consiste na própria estrutura do sistema político do país que, segundo ela, “é feita por homens, com homens e para homens”. De acordo com a comunicadora, o preconceito e o machismo são os principais responsáveis por cenários políticos como o do município de Independência, no interior Ceará:
“Quando as mulheres se candidatam ainda é comum haver rejeição. Há muitas piadas, deboches, preconceito. E ainda é muito baixo o número de mulheres nos cargos majoritários e no legislativo. Aqui em Independência, nas eleições de 2020, a gente teve 16 candidatas para a Câmara Municipal, mas apenas uma mulher foi eleita”, relatou.
Leia mais: Violência contra a mulher: Brasil ocupa 5° lugar no ranking mundial de feminicídios
A radialista também comentou sobre as chamadas “candidaturas laranjas”, apelido dado às candidaturas de mulheres que são lançadas pelos partidos apenas para cumprir a cota obrigatória de imposta pela Lei Eleitoral 9.504/97, que estabelece que cada partido ou coligação reserve 30% do total de candidaturas para mulheres. Segundo Rosa, em muitos casos, tais candidatas costumam ser desfavorecidas em termos de recursos para campanha e contam com pouco ou nenhum apoio em casos de violência de gênero.
“Fazer política nesse país é desafiador. Mas nós precisamos desconstruir esse processo na sociedade. Precisamos fazer com que as mulheres possam se empoderar, estar na política, fazer parte das decisões, ser escutadas, criar redes de apoio, ter uma política articulada e ter esse espaço de reivindicação”, defendeu a comunicadora.
Formação
Com anos de experiência à frente de campanhas políticas, a jornalista Geralda da Cunha destacou a necessidade de formação política das mulheres e para as mulheres. Mais do que isso, Geralda fez questão de ressaltar a importância de que os partidos e demais organizações políticas garantam as condições para a participação das mulheres em espaços institucionais de formação e decisão.
Segundo ela, de um modo geral, a sociedade brasileira “tem essa visão de que o público pertence aos homens e para as mulheres está reservado o espaço privado. Então para as mulheres nunca foi ensinado que o espaço público é um espaço que elas devem estar presentes”.
“Não existe incentivo para as mulheres saírem de casa para ir participar das reuniões políticas. Em muitos casos elas não têm com quem deixar os filhos. Os partidos políticos não pensam essa participação das mulheres. Inclusive, muitas mulheres que estão na política alegam exatamente isso: que tiveram que abrir mão de outros espaços, de ter, por exemplo, uma família, de ter filhos, de dividir essa responsabilidade, para se dedicar à política” explicou a comunicadora.
Em relação à contribuição das mídias comunitárias e populares, a jornalista observou que, em determinados contextos, estes são os únicos meios que as mulheres têm para defender suas causas e divulgar suas propostas.
“Na campanha de 2020 nós tivemos muitas candidaturas coletivas aqui [em Goiânia]. A gente teve oportunidade de conhecer essas mulheres. Em outros espaços de comunicação elas não tiveram esse momento para falar de suas propostas e para trazer pautas que são importantes para as mulheres, mas que são invisibilizadas de uma maneira geral na mídia convencional”, pontuou.
Esperançar
Direto do Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana do Recife, Manina Aguiar endossou a opinião de que a comunicação comunitária e popular é fundamental para a conscientização do eleitorado e o fortalecimento de candidaturas femininas.
“Quando a gente começa a dar visibilidade a essas mulheres e suas pautas, os homens, inclusive, começam a pensar e avaliar que essas mulheres precisam, sim, estar nos espaços de poder. Porque quando elas vêm e falam sobre suas propostas, eles começam a refletir e perceber que são propostas que vão melhorar, inclusive, a condição de vida deles”, comentou.
Leia mais: Rádios retiram músicas de DJ Ivis da programação após agressões contra ex-mulher
Ainda sobre o papel da comunicação popular, a coordenadora da “Rádio Mulher” lembrou que desde 2005 o Centro de Mulheres do Cabo participa ativamente de iniciativas de fomento à participação política de mulheres na região Nordeste, como a Rede Mulher e Democracia, a Escola Feminista Decolonial e a campanha Eu Voto Em Negra.
“Uma das estratégias é justamente dar formação. É fazer com que essas mulheres compreendam esse lugar como delas. Fazer com que possam assumir suas candidaturas, mas com apoio, com uma retaguarda. A campanha traz uma preparação tanto a nível interno, dentro dos próprios partidos, dentro da discussão da importância de ter orçamento – porque sem dinheiro não se vai longe – como a nível externo, na questão, por exemplo, da fala pública, para que ela possa interagir no seu meio e fora dele levando as suas ideias”, detalhou Manina.
Ao refletir sobre os desafios pela frente, a comunicadora se mostrou otimista apesar dos muitos desafios:
“Eu sou muito do verbo ‘esperançar’, de Paulo Freire. Acredito que a cada passo que a gente vai dando nessa troca, a gente vai chegando perto da nossa utopia, que é o que faz com que a gente se movimente. Eu acho que nesses últimos anos a gente tem dado passos importantes para ocuparmos esses espaços de poder político nos nossos municípios, estados e chegaremos também no nosso país”, concluiu.
Projeto
O projeto “Mulheres e a Política, É Chegada a Hora” é uma realização da Pulsar Brasil/Amarc Brasil com o apoio da Fundação Luterana de Diaconia (FLD).
Além da roda de conversa da última terça-feira, serão produzidos cinco podcasts sobre temas como os desafios das mulheres negras e indígenas na política, a violência política contra a mulher e a política feminista no contexto do avanço da extrema direita.
Confira a live:
Edição: Jaqueline Deister