A Câmara dos Deputados aprovou na noite da última quarta-feira (9) o chamado “Pacote do Veneno”. Com 301 votos a favor e 150 contra, o projeto de lei (PL 6299/2022) que flexibiliza ainda mais o uso de agrotóxicos no país segue agora para avaliação do Senado.
Publicamente criticado por pesquisadores, parlamentares, organizações sociais e instituições como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a Defensoria Pública da União, o Ministério Público Federal (MPF) e do Trabalho (MPT) e até a Organização das Nações Unidas (ONU), o “pacote” reúne 41 proposições legislativas e pretende substituir a atual Lei dos Agrotóxicos (Lei 7.802/1989).
Entre as principais mudanças propostas no PL estão: a flexibilização das normas que tratam da adoção de novos agrotóxicos no país; a centralização das tarefas de fiscalização e análise das substâncias no Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa); e a possibilidade de concessão de “registros temporários” para circulação de agrotóxicos.
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Segundo os autores e defensores do PL, a proposta tem como objetivo “modernizar” e “desburocatrizar” a legislação sobre o tema. No entanto, parlamentares e instituições de pesquisa alertam que texto aprovado pela Câmara abre espaço para, por exemplo, a liberação de produtos cancerígenos, a criação de barreiras à atuação de órgãos ligados à defesa da saúde pública e do ambiente como a Anvisa e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e a formação de uma “indústria” de registros temporários ligada ao setor do agronegócio no país.
Hoje, 3655 produtos agrotóxicos são comercializados em todo o Brasil. Destes, 1589 foram aprovados nos últimos três anos sob o governo de Jair Bolsonaro (PL). Só em 2021, o governo autorizou a circulação de 641 novas substâncias.
Manobra
O PL 6299 tramita no Congresso Nacional desde 2002, quando foi proposto pelo então senador e ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP). Por reunir uma série de propostas no mínimo polêmicas, o projeto permaneceu cerca de 20 anos sem ser votado.
Contudo, nesta quarta-feira o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP), colocou na pauta do plenário um Requerimento de Urgência apresentado em dezembro do ano passado pelo atual relator do projeto, o deputado Luiz Nishimori (PL), junto a políticos do PL, PSL, DEM, MDB, PTB, PSD e Novo. A urgência da pauta foi então aprovada por uma maioria de 327 votos favoráveis contra 71 contrários e uma abstenção. Com isso, a votação do texto pode ocorrer imediatamente, sem precisar retornar para análise das comissões da Casa.
O PL do Veneno, inclusive, faz parte da lista de prioridades do governo federal no Congresso Nacional para 2022. A agenda do Executivo, com um total de 45 temas, foi publicada no Diário Oficial da União ainda na quarta-feira.
Mudanças
De acordo com o texto aprovado pela Câmara, na nova lei os agrotóxicos passariam a ser chamados “pesticidas”. Ou ainda “produtos de controle ambiental”, quando usados em florestas e ambientes hídricos.
Além disso, o projeto de lei estabelece que embora o Ministério da Saúde, através da Anvisa, possa continuar a emitir pareceres para os procedimentos de registro ou mudança dos agrotóxicos, o registro e a aplicação de penalidades serão exclusivos do Ministério da Agricultura.
Ainda sobre a questão dos registros, o PL do Veneno prevê que caso o parecer conclusivo do pedido de registro não seja expedido no prazo de dois anos, o Ministério da Agricultura será obrigado a conceder um registro temporário para o novo agrotóxico. Basta que o produto em questão seja usado em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que congrega 37 nações com diferentes níveis de exigências sobre o assunto.
Na opinião do deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), a aprovação de tais mudanças “vai significar colocar mais veneno no prato de comida das famílias brasileiras”. Segundo o parlamentar, o PL aprovado pela Câmara abre brecha para “incluir na comida substâncias que causam câncer, mutações genéticas, distúrbios hormonais e todos tipo de dano pra saúde”.
Fome
De acordo com Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a aprovação do Pacote do Veneno pode ser considerada “uma verdadeira derrota civilizatória” e marca um retrocesso histórico diante do contexto de crise econômica e de crescimento da fome que o Brasil atravessa.
“Vence o discurso de que vale tudo para produzir mais soja, enquanto o povo passa fome na fila do osso. Somos os campeões da soja e da fome. A quem interessa isso?”, questionou o ativista.
Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, organizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), mais de 116,8 milhões de brasileiros se encontram em situação de insegurança alimentar.
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Na contramão do Pacote do Veneno, centenas de movimentos e organizações sociais ligadas à produção e à defesa da agroecologia, da saúde pública, da ciência e da natureza construíram o projeto de lei 6.670/2016, que propõe a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). Contudo, o PL segue estacionado no Congresso.
Entre as principais propostas do PNARA estão: a redução gradual do uso de agrotóxicos e o estímulo à transição orgânica e agroecológica; a reavaliação periódica de registro das substâncias; a proibição da aplicação de veneno próximo a áreas de proteção ambiental, de recursos hídricos, de produção orgânica e agroecológica, de moradia e de escolas; e a redução da pulverização aérea.
O Movimento Contra os Agrotóxicos também elaborou o abaixo-assinado “Chega de Agrotóxicos”, que já soma mais de 1,7 milhão de apoios, e segue aberto a adesões.