Nos últimos dois anos, o Brasil tem experimentado um de seus piores momentos em relação à violência no campo. Além das crises sanitária e econômica provocadas pela pandemia de Covid-19, o país também tem assistido à escalada dos conflitos por terra e recursos naturais, sendo as comunidades campesinas e os povos tradicionais os principais setores afetados.
De acordo com o relatório “Conflitos no Campo Brasil”, produzido pelo Centro de Documentação da Comissão Pastoral da Terra (Cedoc/CPT), só em 2020, 81.225 famílias tiveram suas terras e territórios invadidos e quase um milhão de pessoas estiveram envolvidas em alguma das 2.054 ocorrências de conflitos no campo. Além disso, foram registradas 1.576 ocorrências de conflitos por terra, o que equivale a uma média de 4,31 conflitos por dia, com impacto direto sobre mais de 171 mil famílias brasileiras. Ainda segundo a publicação, esse é o maior número de ocorrências de conflitos no campo já registrado pela CPT desde 1985.
Em comparação com os dados sistematizados nos anos anteriores, a CPT verificou que houve um aumento de 25% do número de conflitos por terra em relação a 2019, e de 56,7% em relação a 2018. Os dados são ainda mais assustadores quando analisados apenas os números referentes aos povos indígenas. Segundo a Comissão, foram registradas 656 ocorrências, com 96.931 famílias, o que equivale a mais da metade da população afetada pela violência no campo.
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O relatório de 2020 registra ainda o recorde de pessoas assassinadas em conflitos pela água. Apesar do número de conflitos ter diminuído em relação a 2019 (ano do vazamento de óleo no litoral brasileiro e do crime ambiental de Brumadinho), em 2020 quatro pessoas foram assassinadas no episódio que ficou conhecido como “Massacre do Rio Abacaxis”, no Amazonas. A CPT esclarece que esse foi o maior número desde que a Comissão passou a fazer o registro dos conflitos por água separado dos conflitos por terra, em 2002.
Houve ainda um aumento na categoria “conflitos trabalhistas”, com 96 ocorrências registradas. Um número quase 7% maior que em 2019 e o maior dos últimos seis anos. Ainda segundo o relatório, em 2020 esses conflitos atingiram 25% mais trabalhadores e trabalhadoras do que no ano anterior. Foram 1.104, enquanto em 2019 tinham sido 883.
Ao analisar a série histórica, a CPT repara que a intensificação dos conflitos se dá justamente em 2020 e 2019, os dois anos de governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Em terceiro lugar, está o ano de 2016, ano em que Michel Temer assumiu a presidência após o golpe que retirou Dilma Rousseff do poder.
Para o procurador do trabalho, Thiago Muniz: “a partir de 2016, tudo piorou. O golpe parlamentar é um marco muito nítido, um verdadeiro divisor de águas no enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo: a partir de então, a desigualdade aumentou, os assentamentos diminuíram, o autoritarismo renasceu, a proteção sociolaboral evaporou e as políticas de enfrentamento têm sido paulatinamente corroídas”.