Redação
Há poucas semanas da análise do chamado “PL da Mineração” (Projeto de Lei 191/2020) pelo Congresso Nacional, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) concedeu, na última quarta-feira (16), a “Medalha do Genocídio Indígena” ao governo Bolsonaro.
Além de chamar a atenção para as “políticas de morte” do Palácio do Planalto em relação aos territórios e povos indígenas, a iniciativa também teve como objetivo responder e repudiar a portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, expedida na última terça-feira (15), que concedeu a “Medalha do Mérito Indigenista” ao presidente da República e a membros do alto escalão do Governo, como o próprio ministro da Justiça, Anderson Torres, o ministro da Defesa, general Braga Netto, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.
Conforme o texto da portaria, a honraria foi concedida aos representantes do Executivo “como reconhecimento pelos serviços relevantes em caráter altruísticos, relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas”. Para a Apib, trata-se de mais uma “atitude debochada” do governo em relação aos povos indígenas.
“Repudiamos e denunciamos essa atitude debochada para que possam entender que a luta do movimento indígena é pela vida dos nossos povos. O indigenismo é uma tradição séria e não deve ser titulada para aqueles que não respeitam nossa cultura e modo de vida. A Apib vai tomar as providências legais para anular esta portaria do Ministério da Justiça”, afirmam os indígenas.
Segundo a Apib, a política genocida de Bolsonaro se caracteriza pelo desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental e aos povos tradicionais, em especial as políticas públicas de saúde indígena. Em 2021, a articulação chegou a protocolar um comunicado no Tribunal Penal Internacional (TPI) solicitando que a procuradoria da Corte examinasse os crimes praticados contra os povos indígenas pelo presidente desde o início do seu mandato, com atenção ao período da pandemia de Covid-19.
De acordo com dados do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), desde 2019, quando Bolsonaro assumiu a presidência do país, o número de casos de invasão e exploração ilegal de recursos naturais em terras indígenas aumentou 141%, com mais de 500 ocorrências registradas só nos anos de 2019 e 2020.
A Apib também lembra que enquanto os membros do Executivo homenageiam a si mesmos com medalhas, tramita no Congresso projetos de leis (PL) que autorizam abrir as TIs para a mineração, a grilagem e uso desenfreado de agrotóxicos.
Urgência
Na última semana, horas após artistas, políticos, movimentos populares e organizações da sociedade civil se manifestarem, em Brasília, no “Ato Pela Terra Contra o Pacote da Destruição”, a Câmara dos Deputados aprovou a tramitação em regime de urgência do Projeto de Lei nº 191/20, que autoriza a mineração e o garimpo em terras indígenas. A previsão é que a proposta seja votada pelo plenário no início de abril.
Em nota técnica, a Apib afirma que o projeto é inconstitucional. A organização reforça que, segundo o artigo 231 da Constituição Federal: “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.
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No mesmo sentido, consta ainda no texto constitucional que: “O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.
Com base em dados do relatório “Cumplicidade na Destruição IV”, lançado este mês em parceria com a Amazon Watch, a Apib afirma que a aprovação do PL da Mineração pode causar a perda de aproximadamente 160 mil km2 de floresta na Amazônia, área maior que toda a superfície da Inglaterra.
Ainda segundo o relatório, em comparação com os dados de 2018, o ano de 2021 apresentou um aumento de 62% do desmatamento ligado à mineração na Amazônia. Os números também apontam que a atividade mineradora é uma das que mais mata defensores do meio ambiente, com 722 casos de conflito e 17 mortes registradas em 2020.
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Na última semana, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos enviou um parecer à Câmara dos Deputados em que afirma “de maneira inequívoca” que “a eventual aprovação do Projeto de Lei 191 trará prejuízos irrecuperáveis ao país, afrontando compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro em sede de direitos humanos”. Segundo o documento, a aprovação do PL também traz “alto risco de conflitos de terra envolvendo territórios indígenas, expondo ainda mais os povos indígenas à violência rural, contaminação por poluentes tóxicos doenças contagiosas”.
Em abril, quando a proposta deve ser votada na Câmara, indígenas de todo o país se reunirão em Brasília para a 18ª Edição do Acampamento Terra Livre (ATL). Neste ano, o tema do evento será “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”. A ocupação indígena da capital federal está programada para acontecer entre os dias 4 e 14 do próximo mês.