

Na tarde da última quarta-feira (26), no muncípio de Jacareacanga, no Pará, a coordenadora da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, Maria Leusa Kaba, e sua mãe Isaura, cacica da aldeia Fazenda Tapajós, tiveram suas casas invadidas e incendiadas por grupos de garimpeiros que atuam ilegamente na região.
O ataque à aldeia ocorreu horas depois de um confronto entre manifestantes pró-garimpo e forças nacionais de segurança enviadas ao município para remover garimpos das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza. Tudo isso dois dias depois do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinar que o Governo Federal tomasse medidas para proteger a vida, saúde e segurança de populações indígenas das Terras Yanomami e Munduruku.
Segundo organizações indígenas como o Movimento Munduruku Ipereg Ayu, a Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, Associação Da’uk, Associação Arikico e o Conselho Indígena Munduruku do Alto Tapaós (CIMAT), os ataques de quarta-feira foram uma reação dos garimpeiros à Operação Mundurukânia, iniciada dois dias antes pela Força Nacional de Segurança e pela Polícia Federal (PF) para combater a prática clandestina de garimpos nas terras indígenas da região.
De acordo com a PF, a operação tem como objetivos: investigar os crimes de associação criminosa, exploração ilegal de matéria-prima pertencente à União e delito contra o meio ambiente; e buscar equipamentos de extração dos minérios, como escavadeiras e outros maquinários.
A previsão inicial era de que a operação Mundurukânia se estendesse por 90 dias. Para isso, além da PF e da Força Nacional, a ação conta com agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério da Saúde, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Índigena (Sesai) também integram a frente.
Em nota divulgada esta semana, a Articulação dos Povos indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) atentam para a suspeita de que os ataques tenham sido organizados “após o vazamento, na terça-feira (25), de um documento do Serviço de Repressão a Crimes contra Comunidades Indígenas da Polícia Federal (PF) para grileiros que atuam em sete florestas nacionais e territórios indígenas no sudoeste do Pará”.
Histórico de confrontos
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), a tensão causada pela invasão garimpeira tem crescido desde março deste ano, com a chegada de grande número de pás carregadeiras para exploração de minério na região do igarapé Baunilha, próxima a uma das principais bacias que garantem a vida Munduruku. Sobre os ataques da última quarta-feira, a Polícia Federal informou que, pela manhã, garimpeiros e indígenas pró-garimpo interditaram a principal via de acesso ao município de Jacareacanga e tentaram invadir a base da operação para destruir equipamentos. Ainda segundo a PF, o ataque foi respondido com bombas de efeito moral.
A invasão à aldeia Fazenda Tapajós e o incêndio às casas de Maria Leusa e Isaura se deu logo em seguida. Conforme apuração do portal Amazônia Real, a líder indígena ainda conseguiu enviar alguns áudios via Whatsapp denunciando o ataque antes que a comunicação de internet fosse cortada. Nos áudios, Maria Leusa alerta para o uso de armas e para as ameaças dos garimpeiros de que iriam atrás de Ademir Kaba e Ana Poxo, outras duas lideranças indígenas da região.
Em comunicado emergencial divulgado ainda na quarta-feira, as organizações de resistência do povo Munduruku reforçam a cobrança de que as forças de segurança do Estado protejam o povo, lideranças e caciques que são contrários a invasão garimpeira: “É inaceitável que mesmo com a presença da Força Nacional na região a aldeia de uma das nossas principais lideranças tenha sido invadida por homens armados, portando galões de gasolina que incentivam o ódio contra todos nós. Tememos pela vida daqueles que lutam sem cansar para defender a vida do povo Munduruku e o futuro de todos nesse planeta”.
Responsabilidade da União
No dia seguinte aos ataques, o MPF disparou uma série de ofícios para autoridades federais e estaduais requisitando reforço na segurança pública na região de Jacareacanga. Segundo o órgão, os documentos foram enviados à PF, Funai, Secretaria de Segurança Pública do Pará, Polícia Civil do Pará, Comando Militar do Norte, Força Nacional de Segurança Pública e às Secretarias Executivas dos Ministérios da Justiça e do Meio Ambiente. Além de narrar o ataque ocorrido no dia 26, os ofícios alertam para as ameaças contra Ademir Kaba Munduruku, Isaías Krixi Munduruku e Ana Poxo Munduruku.
Leia mais: Romaria dos Mártires da Floresta celebra a memória de ambientalistas assassinados no Pará
Ainda de acordo com o órgão, a atuação das forças de segurança tem sido “episódica”, o que em vez de encerrar as atividades ilegais, contribui para acirrar os conflitos no médio e alto Tapajós. Em nota divulgada ontem (27), o MPF comenta que: “A operação dessa semana foi planejada para atender ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), mas não houve qualquer planejamento ou estruturação indicativa de que as forças de segurança permanecerão no território após a conclusão da fase ostensiva”.
Também em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma que o Governo Federal é responsável direto pela violência contra o povo Munduruku. O Cimi destaca a inteção do Governo de legalizar a mineração em terras indígenas e argumenta que ele contribui com a violência na região “ao fortalecer com sua postura os invasores do território e incentivar o divisionismo entre os povos indígenas, com o objetivo de favorecer os interesses econômicos e práticas ilegais dentro dos territórios”.
*O vídeo que consta nesta reportagem e mostra a destruição das casas das lideranças indígenas foi recebido via Whatsapp.