Redação
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) começou a julgar, nesta quarta-feira (26), as denúncias apresentadas por comunidades quilombolas do Maranhão sobre violações de direitos cometidas pelo Estado brasileiro durante a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).
A base de lançamento de foguetes da Força Aérea Brasileira (FAB) foi construída durante a ditadura militar, no início da década de 1980, sob o governo do general João Figueiredo. Segundo os denunciantes, mais de 300 famílias quilombolas, de 32 povoados, foram removidas de seus territórios, no município de Alcântara, para a instalação do projeto.
De acordo com a denúncia apresentada ainda em 2001 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a perda do território impactou o direito à cultura, alimentação adequada, livre circulação, educação, saúde, saneamento básico e transporte de uma centena de comunidades quilombolas. Ainda conforme os denunciantes, alguns grupos que permaneceram no local sofrem até hoje com a constante ameaça de expulsão para a ampliação da base.
Além da indenização das famílias atingidas, as organizações quilombolas requerem, como reparação: a titulação definitiva das terras; a criação de um fundo de desenvolvimento comunitário em conjunto com as famílias; e a realização de um estudo de impacto ambiental acompanhado de procedimento culturalmente adequado de consulta e consentimento prévio, livre e informado junto às comunidades afetadas.
A Corte IDH é uma instituição autônoma ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), que tem como objetivo aplicar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992.
A audiência ocorre na sessão itinerante da Corte na sede do Tribunal Constitucional do Chile e deve se estender até quinta-feira (27). Serão ouvidas as vítimas, representantes do Estado, testemunhas e peritos. As sessões podem ser acompanhadas pelas redes da Justiça Global.
Histórico
Com aproximadamente 22 mil habitantes e a cerca de 100 quilômetros da capital São Luís, o município de Alcântara tem o maior número de comunidades quilombolas do país, com mais de 17 mil pessoas distribuídas em quase 200 comunidades.
Segundo a Corte IDH, com o argumento de “utilidade pública”, a base da FAB inaugurada em 1983 ocupou um território de 52 mil hectares. Décadas depois, em 2019, um acordo assinado entre Brasil e Estados Unidos chegou a projetar a expansão da área.
De acordo com a Constituição Federal, os remanescentes das comunidades quilombolas, que estejam ocupando suas terras, têm direito a propriedade definitiva de seus territórios. O direito fundiário dos povos originários também é garantido pela Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Embora tenha sido apresentada em 2001, a denúncia contra o Estado brasileiro só foi aceita em 2006 pela Comissão IDH e levada à Corte 16 anos depois, em janeiro de 2022. Ao longo desse período, por duas vezes a Comissão recomendou que o Estado brasileiro fizesse a titulação do território, a reparação financeira dos removidos e um pedido de desculpas públicas. As recomendações, no entanto, não foram cumpridas.
Além do tempo de espera, o julgamento se tornou emblemático por ser a primeira vez que o Brasil será julgado por um caso envolvendo quilombolas e, ainda, por ser o primeiro caso em que as Forças Armadas são confrontadas em um tribunal internacional.
Aeronáutica
De acordo com informações da BBC Brasil, a FAB afirmou que há no caso uma “sobreposição geográfica de duas políticas públicas”:
“Uma voltada ao atendimento do direito constitucional relacionado ao reconhecimento de propriedade e titulação das comunidades remanescentes de quilombos, e outra voltada às demandas por um espaço-porto brasileiro”, alegou.
A instituição ainda disse que “reitera o firme propósito de alcançar um resultado que atenda, de forma equilibrada, os direitos das comunidades quilombolas de Alcântara e as necessidades do Programa Espacial Brasileiro, o qual certamente trará benefícios socioeconômicos para todo o município de Alcântara e região.”
*com informações da Justiça Global, Agência Brasil e BBC Brasil
Edição: Jaqueline Deister