Jornalistas, advogados, pesquisadores, ativistas e representantes de órgãos públicos, comunidades tradicionais, movimentos e organizações sociais estiveram reunidos, na última quinta-feira (4), na Fundação Espaço Cultural (Funesc), em João Pessoa, na Paraíba, para participar da mesa-redonda “Desinformação, letramento midiático e democracia”.
Promovido pelo Ministério Público Federal da Paraíba (MPF-PB) em parceria com o Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac-PB), Observatório Paraibano de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o evento teve como palestrante a jornalista, professora e pesquisadora do Observatório das Eleições e da Democracia, Eliara Santana.
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Ao longo do encontro, a pesquisadora conversou sobre a relação entre o fenômeno da “desinfodemia” (a pandemia de desinformação) e a capacidade das pessoas compreenderem o funcionamento das mídias e sobre como os sistemas de desinformação têm afetado o direito à comunicação e, consequentemente, a democracia brasileira.
De acordo com a organização do evento, o debate foi aberto a toda sociedade, mas teve como principal objetivo dialogar e capacitar grupos historicamente silenciados da sociedade, como pessoas negras, mulheres cis e trans, pessoas LGBTQIAP+, indígenas, quilombolas, agricultores familiares e pessoas atingidas por barragens.
Desinformação e letramento
Para introduzir o debate, Eliara fez questão de destacar o papel da comunicação para a conquista e garantia de direitos, bem como para a manutenção da democracia. Segundo ela, o direito à comunicação, compreendido como o direito individual e coletivo de buscar, receber e difundir informações verdadeiras, adequadas e plurais é “constitutivo de todos os processos e, portanto, não pode ser visualizado como algo isolado”.
“A comunicação é um direito fundamental que impacta vários outros direitos humanos”, resumiu a pesquisadora.
Sobre o conceito de desinformação, Eliara esclareceu que não se trata da circulação de meros boatos através da mídia, mas de todo um complexo de produção de “informações e conteúdos deliberadamente criados para prejudicar uma pessoa, grupo social ou até um país”. Para além da disseminação de notícias falsas, a professora ressaltou que os processos de desinformação contam também com a utilização de dados fora de contexto, manipulação de imagens, apelo de manchetes que não condizem com o conteúdo das matérias e a prática sistemática de silenciamentos, censura e ausência de contraditório.
Neste cenário, para combater os efeitos da desinformação, a jornalista destacou a importância do “letramento midiático” da população brasileira, isto é, o desenvolvimento de habilidades por cidadãs e cidadãos para compreender como funcionam as mídias e os produtos informacionais. Segundo Eliara, o letramento midiático pode ser entendido também como “investigação ativa” que possibilita “a construção de pensamento crítico sobre as mensagens que recebemos e produzimos através das mídias”.


Democracia
Em relação ao papel da desinformação no processo eleitoral deste ano, a pesquisadora do Observatório das Eleições 2022 do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT IDDC) afirma que se trata de “um tema da maior importância”, pois, segundo ela: “a desinformação impacta diretamente o nosso processo de escolha”.
“A desinformação tem um impacto muito grande na forma como nós avaliamos as informações que recebemos. As fake news, como notícias falsas intencionalmente produzidas, impactam muito fortemente a nossa percepção da realidade. Então isso desconstrói a nossa capacidade crítica de escolher as pessoas, de escolher os melhores candidatos”, comentou à Pulsar.
Eliara observou, ainda, que os efeitos nocivos dos sistemas de desinformação vão muito além das eleições, afetando a vida de toda população em aspectos econômicos, culturais e até sanitários.
“Por exemplo: o Brasil, que já foi uma referência em cobertura vacinal, hoje regrediu ao cenário de 30 anos atrás. E isso se deve, sim, a uma campanha massiva e intencional de desinformação. Então, isso impacta tanto o processo político, tanto o processo eleitoral quanto a nossa vida em sociedade”, pontuou.
Em tal contexto, segundo a jornalista, a prevenção e o combate à desinformação, bem como a educação e o letramento midiático da população, devem contar com o apoio dos mais diversos segmentos da sociedade. Em entrevista à Pulsar, Eliara destacou o papel da comunicação comunitária nesse esforço coletivo:
“As rádios comunitárias, e a comunicação comunitária de modo geral, têm um papel essencial e deveriam ter tido muito mais incentivos para funcionar – porque nós sabemos que a comunicação só se faz com financiamento, com dinheiro, com recursos. É preciso investir de fato nas rádios comunitárias. Elas têm um papel essencial porque elas estão inseridas nas comunidades e sabem como dialogar com elas. Eu acho muito importante que as rádios comunitárias desempenhem esse papel e coloquem esse tema da desinformação da melhor forma possível para que todo mundo possa compreender” concluiu a pesquisadora.
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Como um dos realizadores e integrante da mesa-redonda, o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza, classificou o evento como “essencial” e elogiou a qualidade do debate.
“Eventos como este são essenciais que aconteçam em qualquer momento e em qualquer sociedade. Principalmente neste momento em que a sociedade e a democracia brasileira se encontram sob intenso ataque de desinformação e fake news. O debate sobre comunicação adequada tem que acontecer constantemente. Nós ficamos bastante felizes com o evento como aconteceu. A qualidade foi muito boa. Com certeza teremos outros”, avaliou.
Edição: Jaqueline Deister