Na tarde da última quarta-feira (12), um dia após o tiroteio ocorrido entre garimpeiros e indígenas na comunidade do Palimiú, na Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima, um grupo de policiais federais foi alvo de um novo ataque por parte de garimpeiros da região. Segundo a corporação, a equipe foi enviada para averiguar o conflito ocorrido no dia anterior e se preparava para retornar à capital Boa Vista quando foi surpreendida por disparos vindos de uma embarcação de garimpeiros. Conforme o relato da PF, houve troca de tiros, mas ninguém ficou ferido.
Funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) que também visitaram o local recolheram cápsulas de munição calibre 20 mm, 380 mm e 9 mm supostamente utilizadas no conflito. Ainda na terça-feira (11), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Hutukara Associação Yanomami (HAY) cobraram do Supremo Tribunal Federal (STF) a retirada de invasores da Terra Yanomami para garantir a segurança e a livre circulação de indígenas no território.
O Ministério Público Federal (MPF) também ingressou na Justiça com pedido de liminar para que a União destaque, imediatamente, forças de segurança para a comunidade de Palimiú. Além da permanência policial ininterrupta na região, o MPF cobra que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e a Funai atuem conjuntamente com as forças militares da União no combate a ilícitos ambientais, no contato e proteção às comunidades indígenas e na extrusão de garimpeiros ilegais. O pedido de liminar foi feito dentro da ação civil pública ajuizada ainda em 2020 pelo MPF em Roraima, na qual foi solicitada a total desintrusão de garimpeiros que atuam ilegalmente na exploração de ouro na Terra Yanomami.
Doenças e intensificação dos conflitos
Em entrevista ao Deutsche Welle (DW), Júnior Hekurari Yanomami, membro do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) explicou que o motivo para os recentes conflitos seria a barreira sanitária criada pelos indígenas no Rio Uraricoera, principal via de acesso à região onde existem grandes garimpos. Segundo Júnior, no dia 24 de abril os yanomami teriam apreendido cerca de cinco mil litros de gasolina e outros materiais usados pelos garimpeiros.
O indígena também explica que as barreiras sanitárias foram criadas para proteger as comunidades yanomami dos surtos de malária e Covid-19. De acordo com ele, só em 2021 foram registrados mais de 10 mil casos de malária no território que conta apenas com 150 agentes de saúde para atender mais de 29 mil indígenas distribuídos em uma área de mais de nove milhões de hectares.


Em entrevista exclusiva à Pulsar Brasil, o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, Dário Kopenawa, relata que as vacinas de Covid-19 ainda não chegaram à maior parte das 372 comunidades indígenas que vivem na Terra Yanomami. O atraso no fornecimento de vacinas e a dificuldade de acesso a algumas comunidades – que podem exigir de cinco a 12 horas de caminhada – seriam os principais entraves.
“Muitos yanonami foram contaminados. Até nossas gestantes estão começando a se contaminar de coronavírus. A maior preocupação agora são as mulheres que estão grávidas. Começamos a remover nossas parentes de grávidas das comunidades porque a situação está muito grave, muito precária”, lamenta.
Crime Organizado
Além das novas xawara – como classificam as doenças exógenas às comunidades, “desenterradas” pelos brancos – Dário repara que o agravamento dos conflitos nos últimos anos também se deve à atuação de um novo grupo na região. Não bastasse o histórico assédio de mineradores, garimpeiros, empresários e políticos, a Terra Indígena Yanomami agora também tem sido invadida por facções criminosas. O que, para ele, fica evidente no reforço do armamento usado pelos próprios garimpeiros nos ataques contra as comunidades indígenas.
“Em 1993, quando aconteceu o massacre de Haximu, eles mataram dezesseis yanomami já com armas de fogo. Mas agora é diferente, estão usando armas pesadas, metralhadoras”, detalha o líder indígena que acrescenta ser comum a fuga de presidiários para comunidades ilegais de garimpeiros na floresta.
Segundo a agência Amazônia Real o “investimento do tráfico de drogas” na Terra Yanomami começou há cerca de três anos, com o crescimento da influência do Primeiro Comando da Capital (PCC) em Roraima através das unidades prisionais. Em reportagem, a agência revela que o PCC controla desde o tráfico de ouro até o tráfego de embarcações pelos rios, exigindo pedágio.
Tribos isoladas e recado aos não-indígenas
Sobre os perigos das invasões à Terra Yanomami, o filho de Davi Kopenawa – líder político yanomami desde a década de 1980 – destaca ainda os riscos à existência dos Moxihatëtëa, como são chamadas as comunidades indígenas que vivem isoladas na floresta. Segundo Dário, os garimpeiros tem avançado de tal maneira que já estariam a menos de15 minutos dessas comunidades que, por sua vez, seriam muito mais suscetíveis ao contágio de doenças.
O risco é tão grave que, em março de 2020, o MPF em Roraima chegou a recomendar a suspensão imediata do plano de aproximação com os Moxihatëtëa. Na decisão, a procuradora da República Manoela Lopes Cavalcante, recomendou que os órgãos públicos se abstivessem de qualquer aproximação, respeitando as normas específicas para o processo de contato com os povos isolados.
Por fim, o vice-presidente da Hutukara afirma que a participação da sociedade não-indígena é fundalmental para a defesa da vida dos yanomami.
“É preciso pressionar o Governo para que ele cumpra seu papel. Para que cumpra com a lei. Nosso território Terra Yanomami está demarcado e homologado pelo Governo Federal. Os nossos direitos e os nossos territórios que foram demarcados estão garantidos no artigo 231 da Constituição Federal do Brasil. Isso é muito claro! Mas até agora a sociedade não-indígena, os homens brancos, não tem respeitado os nossos territórios. Mas a luta não vai acabar! Enquanto desrespeitarem nossos territórios, continuamos na luta”.