Redação
Desde o início da pandemia de Covid-19 no Brasil, os elevados índices de morte pela doença entre os setores mais pobres da sociedade têm escancarado os impactos da desigualdade social na vida das populações mais vulneráveis do país. Contudo, um recente levantamento realizado por pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária aponta que, mesmo no topo da pirâmide social brasileira, homens negros seguem como o grupo com maior chance de morrer de coronavírus.
O estudo foi elaborado a partir de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde e analisa os casos de 67,5 mil vítimas de Covid-19 em 2020, aproximadamente um terço de todas as mortes causadas pelo vírus notificadas no período. Para a amostra da pesquisa foram considerados indivíduos entre 18 e 65 anos de idade e com ocupação profissional registrada no sistema do Ministério da Saúde.
De acordo com o levantamento, com exceção da agricultura, em todas as atividades registradas os riscos enfrentados por homens negros são maiores do que os enfrentados por brancos. A análise das taxas de mortalidade revela, por exemplo, que entre os advogados o risco de vítimas negras é 43% maior, enquanto entre engenheiros e arquitetos a marca chega a 44%.
Uma das hipóteses consideradas pelos autores do estudo é que a inserção mais precária de muitos negros no mercado de trabalho seria o principal motivo da diferença na comparação com os brancos. Para os pesquisadores, o trabalho em empresas de menor porte ou sem vínculo empregatício formal teria potencializado os riscos criados pela exposição ao vírus, tornando-os mais vulneráveis na pandemia.
Em entrevista à Folha de São Paulo, o sociólogo e coordenador do grupo responsável pelo estudo, Ian Prates, se mostrou surpreso com os resultados:
“Pensávamos que a mortalidade dos negros era maior porque trabalhavam em atividades mais expostas ao vírus, mas nem sempre isso é verdade”, declarou o pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Ainda segundo Prates, “o fato de o risco ser maior até para os que exercem profissões de nível superior como essas mostra o tamanho da nossa tragédia”. Para o sociólogo, a permanência de altas taxas de risco entre trabalhadores negros com nível superior sugere que “mesmo negros que ascenderam profissionalmente continuam expostos a fatores de risco que aprofundam desigualdades.”
Gênero
O levantamento aponta também que mulheres negras e brancas têm mais chances de morrer de coronavírus do que homens brancos.
No caso das mulheres negras, o baixo número de vítimas com registro de nível superior não permitiu ao grupo de pesquisadores verificar diferenças relevantes em relação aos demais grupos. No entanto, para as que atuam na base da pirâmide, os índices são discrepantes. De acordo com o estudo, o risco enfrentado por mulheres negras que trabalham em serviços domésticos, por exemplo, é 112% maior do que os enfrentados por homens brancos.
Em relação a esse grupo, os pesquisadores explicam que a perda de acesso a serviços de saúde e a sobrecarga de tarefas com cuidados de crianças e idosos durante a pandemia pode ter agravado a situação de vulnerabilidade de muitas mulheres.
Já no caso das mulheres brancas, o estudo mostra que o risco de morrer de Covid é menor que o dos homens brancos para aquelas que pertencem a grupos ocupacionais de nível superior e maior para atividades que exigem menos instrução. Na opinião dos autores do estudo, a vantagem das mulheres sobre os homens no topo está ligada aos hábitos de cuidados preventivos com a saúde, ao contrário dos homens, que tendem a postergar visitas aos médicos, conforme apontam especialistas em saúde pública.
Na comparação com as mulheres negras, em geral, o risco enfrentado pelas mulheres brancas é menor.
Geral
Em números absolutos, o levantamento confirma que a maioria das vítimas de Covid-19 está relacionada a grupos ocupacionais que são grandes empregadores, como comércio e serviços (6.420), agricultura (3.384) e transportes (3.367).
Todavia, o estudo também mostra que, em termos relativos, há outros setores que foram gravemente afetados. Por exemplo: de todas as mortes de profissionais de saúde no ano passado, 24% foram registradas como causadas por Covid-19. Na segurança, incluindo praças das Forças Armadas, policiais militares e bombeiros, foram 25%. Já entre líderes religiosos, a taxa de mortes por coronavírus chega a 44% do total.