Na semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar a tese do chamando “Marco Temporal”, indígenas de todo o país organizam um acampamento em plena Praça da Cidadania, em Brasília, para reivindicar direitos e alertar ministros e parlamentares sobre os riscos do avanço da agenda anti-indígena no Congresso Nacional e no governo federal. As primeiras delegações dos povos tradicionais começaram a chegar no domingo (22). O encontro faz parte da mobilização nacional “Luta pela Vida”, organizada pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib) e deve durar até o próximo sábado (28).
Além de acompanhar o julgamento previsto para a próxima quarta-feira (25) no Supremo Tribunal Federal (STF), a programação do acampamento conta com outras atividades como plenárias, agendas políticas em órgãos do governo e embaixadas, marchas, manifestações públicas e manifestações culturais.
O primeiro dia foi dedicado à recepção e testagem para Covid-19 dos participantes. Nesta segunda-feira (23), serão realizadas, junto a lideranças políticas de todo país, reuniões e plenárias de atualização sobre a conjuntura nacional e alinhamento político. Também estão na agenda do dia, rituais e mostras audiovisuais.
Na terça-feira (24) à noite, véspera do julgamento do Marco Temporal, os indígenas promoverão uma vigília no STF. Neste mesmo dia deve ser protocolado um abaixo-assinado que tem como objetivo sensibilizar os ministros do Supremo sobre a responsabilidade de defender os direitos originários dos Povos Indígenas sobre suas terras tradicionais. Segundo o texto do documento:
“O tratamento que a Justiça Brasileira tem dispensado às comunidades indígenas, aplicando a chamada ‘tese do marco temporal’ para anular demarcações de terras, é sem dúvida um dos exemplos mais cristalinos de injustiça que se pode oferecer a alunos de um curso de teoria da justiça. Não há ângulo sob o qual se olhe e se encontre alguma sombra de justiça e legalidade. Este Supremo Tribunal tem em suas mãos a oportunidade de corrigir esse erro histórico e, finalmente, garantir a justiça que a Constituição determinou que se fizesse aos povos originários”.
“Marco Temporal”
Na próxima quarta-feira, o STF deve julgar o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata de uma ação de reintegração de posse contra o povo Xokleng, no estado de Santa Catarina. O processo foi reconhecido pelo Supremo como de “repercussão geral”, o que significa que a decisão sobre o caso servirá de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias da Justiça.
O ponto central do julgamento é o debate entre duas teses: a chamada “teoria do indigenato” e a tese do “marco temporal”.
A primeira, assim como a Constituição Federal de 1988, reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário, ou seja, anterior à chegada dos europeus ao Brasil e ao próprio Estado brasileiro.
Do outro lado, a chamada tese do “marco temporal”, vincula a demarcação das terras indígenas à ocupação no momento da promulgação da Constituição de 1988. Por essa interpretação, os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse no dia cinco de outubro de 1988. Ruralistas e setores interessados na exploração das terras indígenas são os principais defensores da tese.
Segurança
Desde que foi planejado, o “Acampamento Luta pela Vida” desenvolveu protocolos sanitários para reforçar a segurança dos participantes e respeitar as normas de combate à Covid-19. Além de equipes de profissionais indígenas de saúde, o acampamento conta com a parceria de instituições como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Brasília e do Rio de Janeiro, o Ambulatório de Saúde Indígena da Universidade de Brasília (Asi/UnB) e o Hospital Universitário de Brasília (HUB).
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De acordo com a líder indígena Sônia Guajajara, a decisão de organizar um acampamento na capital federal mesmo no período de pandemia não se deu tanto por escolha, mas por necessidade:
“Não podemos nos calar diante desse cenário violento. Não é apenas o vírus da Covid-19 que está matando nossos povos e por isso decidimos mais uma vez ir até Brasília para seguir lutando pela vida dos povos indígenas, da mãe terra e da humanidade”, enfatiza a coordenadora executiva da Apib.
Edição: Jaqueline Deister