As ONGs Repórter Brasil e Amazônia Real foram obrigadas pela Justiça de Roraima a retirar do ar trechos de uma reportagem que denunciava o comércio ilegal de ouro das Terra Indígenas Yanomami em ruas da capital Boa Vista. A decisão judicial partiu do Juiz Air Marin Junior, do 2º Juizado Cível de Boa Vista, e atende ao pedido de uma das pessoas citadas na matéria. No caso, uma servidora pública supostamente envolvida na compra e venda de ouro extraído por garimpeiros em terras indígenas.
A liminar concedida por Marin Junior refere-se à reportagem “Compro tudo’: ouro Yanomami é vendido livremente na rua do Ouro, em Boa Vista”, que integra a série “Ouro do Sangue Yanomami”, produzida em parceria pelas duas organizações. De acordo com a Repórter Brasil, trata-se de um caso de censura pois “fere a liberdade de imprensa, premissa do Estado democrático prevista no artigo 5°, inciso IX da Constituição”. A Ong também cita o artigo 220 da Constituição, que determina que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.
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Na defesa encaminhada à Justiça, os advogados André Ferreira e Eloísa Machado, do coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (Cadhu), comentam que a conduta das equipes jornalísticas: “é perfeitamente lícita e implica o exercício regular do direito de informar. Por isso, não pode receber nenhuma reprimenda, seja a retirada de conteúdo do ar, seja o pagamento de indenização por supostos danos morais”.
Na liminar expedida no dia 1° de julho, Marin Junior argumenta que “Toda a documentação juntada e as alegações da autora indicam, pelo menos nesta seara não exaustiva, a alta probabilidade de que a autora tenha razão”. O juiz ainda estipulou multa de cinco salários mínimos caso os trechos em questão não fossem retirados em 48h após a divulgação da decisão. Em nota, a Repórter Brasil explica que entrou com medidas cabíveis para reverter a decisão e que a retirada foi ordenada sem que a decisão fosse transitada em julgado e sem nenhuma audiência para ouvir as acusadas.
A autora da ação
Conforme consta no site do Tribunal de Justiça de Roraima, a autora da petição deu entrada no processo no dia 25 de junho, exatamente um dia após a publicação da reportagem que denuncia a compra ilegal de ouro extraído da Terra Indígena Yanomami por pequenas ‘joalherias’ da Rua do Ouro, em Boa Vista.
De acordo com a Repórter Brasil, a autora da ação foi flagrada por repórteres da Amazônia Real entrando em uma das lojas e perguntando ao vendedor se ele comprava ouro do garimpo. Conforme descrito na reportagem, a mulher usava uma máscara de proteção com o logotipo da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. Após a confirmação do vendedor de que “comprava tudo”, ela saiu da joalheria, pegou um pacote no porta-luvas e entrou novamente
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Ainda segundo a Repórter Brasil, antes da publicação da matéria, a equipe de repórteres procurou a envolvida por telefone e pela rede social, mas não obteve retorno. Após o contato por rede social, a servidora apagou o perfil e, quando acionada pelo WhatsApp, se negou a esclarecer as questões e ameaçou processar as jornalistas.
A ONG acrescenta que após a denúncia, o Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação para apurar as possíveis ligações da autora da ação judicial com o garimpo ilegal na TYI. Segundo a reportagem, lideranças indígenas já teriam informado, em abril, que funcionários da Sesai estariam vendendo vacina a garimpeiros em troca de ouro. O caso foi denunciado à época ao MPF pela Hutukara Associação Yanomami e a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas também levou a denúncia à CPI da Covid.