Os limites do direito à liberdade de expressão voltaram a ocupar o centro das discussões em todo Brasil na última terça-feira (8).
O motivo foi a repercussão gerada pelas declarações do apresentador de podcast, Bruno Monteiro Aiub, o “Monark”, e do deputado federal Kim Kataguiri (DEM) durante um episódio do programa Flow Podcast. Na ocasião, Monark defendeu a possibilidade de legalização de um partido nazista no Brasil e o “direito de ser antijudeu”. Já Kataguiri afirmou que a Alemanha teria errado ao decidir criminalizar o partido nazista em seu território.
Além de milhares de publicações nas redes sociais, ambas as declarações provocaram a abertura de inquéritos na Justiça. Ainda na terça-feira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou a investigação de suposto crime de apologia ao nazismo praticado pela dupla. Conforme explica a nota do PGR, por envolver um parlamentar com prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal (STF) – o deputado Kataguiri –, o caso será analisado pela assessoria criminal do procurador-geral.
Além do PGR, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e a Polícia Civil paulista também informaram que devem investigar Monark e o Flow Podcast por “divulgação e defesa do nazismo e discriminação por procedência nacional”. De acordo com o MP-SP, o apresentador pode responder ainda por dano moral coletivo ou mesmo dano à sociedade. Caso sejam condenados na Justiça, os responsáveis podem ser punidos com pena de até 5 anos de prisão e multa.
Em relação a Kataguiri, nesta quarta-feira (9), o Partido dos Trabalhadores (PT) anunciou que entrará com um pedido de cassação do deputado federal no Conselho de Ética da Casa. Nas redes, o líder do partido na Câmara, deputado Reginaldo Lopes, afirmou que defender a legalização do nazismo no país “é defender o extermínio, o ódio e o preconceito. É atacar a liberdade e cometer crime”. Segundo ele: “Liberdade de expressão é uma coisa. Liberdade de opressão é outra”.
“Liberdade”
Reconhecidos pela defesa da liberdade de expressão no Brasil, o coletivo Intervozes e a ONG Artigo 19 também se pronunciaram em relação ao caso.
De acordo com o Intervozes, “evocar a liberdade de expressão para defender a possibilidade de um partido nazista, é tratar de forma muito superficial o tema e a história”. Nas redes sociais, o coletivo fez questão de lembrar que seis milhões de pessoas foram executadas nos campos de concentração nazistas e reforçou: “Não é liberdade, é crime”.
Só no país da mídia onde as mulheres são objetificadas há décadas, onde, historicamente, o racismo foi reproduzido, onde o discurso de ódio ganha força, alguém pode ter a infeliz ideia de defender a liberdade de um partido nazista em um programa. Não é liberdade, é crime
— Intervozes (@intervozes) February 8, 2022
No mesmo sentido, a Artigo 19 explicou que “os limites da liberdade de expressão têm teto fixo, quando resvalam na indução à discriminação e ao preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Também através das redes, a organização salientou que a extrapolação da liberdade de expressão para corroborar discurso de ódio é crime.
O discurso de ódio, o discurso baseado no ideal discriminatório sobre grupos historicamente oprimidos, NÃO é liberdade de expressão.
— ARTIGO 19 (@ARTIGO19) February 8, 2022
Em nota, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) condenou “de forma veemente” as declarações do apresentador do Flow Podcast. Segundo o texto: “O discurso de ódio e a defesa do discurso de ódio trazem consequências terríveis para a humanidade, e o nazismo é sua maior evidência histórica”.
Ainda na terça-feira a assessoria do Flow Podcast informou que Bruno Aiub foi desligado do programa e deixará o quadro societário da empresa. As declarações de Monark provocaram uma debandada de anunciantes que não quiseram ter suas marcas associadas ao programa, como Amazon, Puma, Ifood, Sportsbet, Insider Store e Philipe Mead.
Horas após a repercussão, o influenciador digital publicou um video se desculpando pelas falas. Segundo o próprio ex-apresentador, ele estaria bêbado na ocasião.
Saudação
Quem também deve ser investigado pela Justiça por apologia ao nazismo é o ex-comentarista da Jovem Pan, Adrilles Jorge.
Na última terça-feira, após comentar o caso de Monark e Kataguiri no “Opinião”, programa transmitido ao vivo pelo canal de TV Jovem Pan News, Adrilles se despediu erguendo a palma da mão para o alto, em um gesto semelhante ao “Sieg Heil”, saudação usada pelo líder nazista Adolf Hitler.
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Nas redes sociais, o comentarista negou qualquer alusão ao gesto e alegou ser apenas um aceno de despedida. Mesmo assim, o comentarista foi demitido no mesmo dia pela emissora paulista.
De acordo com informações da colunista Mônica Bergamo, o Sindicato das Advogadas e Advogados de São Paulo (Sasp) solicitou ao MP-SP a abertura de inquérito contra Adrilles Jorge. No ofício encaminhado à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do MP-SP, o presidente do sindicato, Fábio Gaspar, e o coordenador de direitos humanos do Sasp, Pedro Martinez, pedem que a Jovem Pan também seja investigada junto ao ex-comentarista.
“Não é possível que concessões públicas de rádio e televisão sejam palco de condutas incompatíveis com a Constituição Federal e Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, promovendo discriminação e atacando direitos fundamentais”, afirma o documento.
Segundo o MP-SP, o caso de Adrilles Jorge está sob responsabilidade do Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Inteligência (Gecradi) da instituição.