O plenário da Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno, na madrugada desta quinta-feira (4), o texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) 23 de 2021, a chamada “PEC dos Precatórios”. Com 312 votos a favor e 144 contra, a proposta limita o valor de despesas anuais do Governo Federal com o pagamento de precatórios, altera o reajuste das dívidas e muda a forma de calcular o teto de gastos.
De acordo com o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), a matéria deve voltar ao plenário na próxima semana para a votação em segundo turno. Além de analisar os destaques ao texto apresentados pelos partidos políticos, os deputados e deputadas terão a última chance de mudar trechos da proposta antes de encaminhá-la ao Senado.
Desde que foi apresentada pelo Executivo, em agosto deste ano, a PEC tem sido duramente criticada por parlamentares, partidos políticos, economistas e organizações sociais. Enquanto os aliados da presidência da República alegam que a aprovação da medida viabilizará a implementação do “Auxílio Brasil”, programa social que visa substituir por um ano o extinto Bolsa Família, representantes da oposição ao governo no Congresso alertam que a proposta representa uma tentativa de “calote” do Palácio do Planalto para atender fins eleitorais.
Para ser promulgada, a PEC precisa ser aprovada pela Câmara e Senado em dois turnos. Na Câmara são necessários pelo menos 308 votos em cada turno, já no Senado o mínimo é de 49 votos.
Precatórios
Os precatórios são as dívidas da União com sentença judicial definitiva, isto é, dívidas que precisam ser pagas pela União à pessoas físicas ou jurídicas e para as quais não há mais possibilidade de recurso na Justiça. Os precatórios podem ser em relação à questões tributárias, salariais ou qualquer outra causa em que o poder público seja o derrotado. A maior parte das pessoas que tem direito a receber os pagamentos são funcionários públicos como professores, profissionais da Saúde e servidores do “baixo escalão” do Estado brasileiro.
De acordo com dados do governo, pelas regras atuais, a União deveria gastar R$ 89 bilhões em 2022 com o pagamento de precatórios. Caso o texto aprovado nesta quinta-feira pela Câmara avance, este valor será limitado a quase R$ 40 bilhões. Ainda segundo a proposta, o limite anual das despesas com precatórios deverá valer até 2036, ano em que termina o regime de teto de gastos.
O pagamento dos precatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), por exemplo, poderá ser parcelado em três anos. De acordo com a PEC, 40% dos quase R$ 16 bilhões em dívidas ao fundo serão pagos em 2022, 30% em 2023 e os 30% restantes em 2024.
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Ainda segundo a proposta, além das dívidas em relação ao Fundef, serão priorizados os débitos de natureza alimentícia, os pagamentos para idosos e pessoas com doenças graves e as chamadas Requisições de Pequeno Valor (RPV), que correspondem a dívidas de até R$ 66 mil. De acordo com o texto, as RPV serão pagas à vista, já os precatórios de grande valor podem ser parcelados até 2029.
Manobras
Outra medida polêmica da PEC 23 é a mudança na fórmula de calcular as dívidas e, consequentemente, o teto de gastos imposto pela Emenda Constitucional (EC) 95/2016.
De acordo com a proposta, os valores dos precatórios passarão a ser corrigidos exlcusivamente pela taxa Selic, e ao invés de as despesas serem corrigidas pela inflação de julho a junho, serão atualizadas pela inflação de janeiro a dezembro. Segundo os cálculos do governo, a manobra permitiria que cerca de R$ 47 bilhões deixem de ser pagos aos credores no próximo ano e fiquem à disposição do Executivo para investimentos em outras áreas.
Protestos
Não apenas o conteúdo, mas também a forma como foi votada a PEC dos Precatórios tem sido criticada por parlamentares e partidos políticos. Após diversos adiamentos da votação, na quarta-feira (3), um dia antes da proposta ir ao plenário, o presidente da Câmara, deputado Arhtur Lira (PP-AL), alterou a norma que exige a presença física de deputados para participar da votação e autorizou que parlamentares em viagem autorizada pela Câmara pudessem votar remotamente.
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Nas redes virtuais, a líder do PSOL na Casa, deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) classificou a “manobra casuística e vergonhosa” de Lira como “política do vale tudo para salvar Bolsonaro”. Na mesma linha, a deputada Erika Kokay (PT-DF) também criticou a intervenção de Lira para aprovar o que chamou de “PEC do Calote”.
“É o desespero do governo Bolsonaro para garantir votos e bilhões de reais para a sua reeleição”, declarou a petista, referindo-se ao interesse do governo de utilizar os recursos dos precatórios para viabilizar o “Auxílio Brasil” e administrar o repasse de emendas parlamentares ao longo do próximo ano.
De acordo com o G1, após a votação desta quinta o governo teria prometido segurar o pagamento de emendas aos deputados que não votarem a favor da proposta no segundo turno. As emendas parlamentares são recursos que deputados e senadores destinam à suas bases eleitorais e que se tornam ainda mais importantes em ano eleitoral.
Ainda sobre a votação, chamou atenção a aprovação da proposta por alguns parlamentares dos partidos ditos de oposição, como o PDT e o PSB. Dos 24 deputados que compõem a bancada pedetista, 15 votaram a favor da PEC. No PSB, 10 dos 32 parlamentares apoiaram a proposta.
Surpreso com o resultado da sessão, o pré-candidato à presidência da República pelo PDT, Ciro Gomes, chegou a afirmar que deixaria a pré-candidatura em suspenso até que a bancada do partido reavalie a posição no segundo turno das votações da “famigerada PEC dos Precatórios”.
Edição: Jaqueline Deister