

No último sábado, dia 12 de agosto, completaram-se 40 anos da morte de Margarida Maria Alves. A agricultora e líder sindical paraibana foi assassinada a tiros, em 1983, dentro da própria casa, no município de Alagoa Grande, na frente do marido e do único filho. O crime foi executado por matadores de aluguel a mando de fazendeiros da região e até hoje não foi solucionado.
Contudo, nem mesmo a morte brutal foi capaz de apagar a memória e o legado de Margarida Alves. Quarenta anos depois, seu nome segue lembrado por milhares de mulheres no Brasil e no mundo que, assim como Margarida, lutam por melhores condições de vida e pela igualdade de direitos. Neste ano, por exemplo, a Marcha das Margaridas – a maior mobilização de mulheres da América Latina – espera reunir cem mil mulheres em Brasília (DF) durante os dias 15 e 16 de agosto.
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De acordo com o texto de apresentação da Marcha, hoje, as “Margaridas” são “muitas em uma” e incluem desde agricultoras familiares, sem-terra, quilombolas e ribeirinhas até trabalhadoras urbanas, jovens, negras, lésbicas, trans e tantos outros grupos de mulheres “exploradas e marginalizadas ao longo da história” do país.
Semente
Entre as milhares de “Margaridas” que marcharão na capital federal na próxima semana, está a paraibana Maria Leônia Soares. “Léia”, como é mais conhecida, é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Massaranduba (STRM) e integra a direção do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE).
Filha de agricultores familiares, Léia ouviu falar de Margarida Alves pela primeira vez ainda criança, quando acompanhava os trabalhos de catequese promovidos pela Igreja Católica na região. A sindicalista tinha apenas sete anos quando soube da notícia do assassinato de Margarida em Alagoa Grande, município vizinho à Massaranduba. Desde então, a história da conterrânea passou a fazer parte de sua vida.
“O nome de Margarida se tornou uma bandeira de luta. A gente costuma dizer no movimento que Margarida virou semente. E dessa semente nasceram muitas outras Margaridas. Então, Margarida não é mais um nome. Margarida é uma bandeira de luta, é um modo de viver”, afirmou à Pulsar.
Transformação
Assim como Margarida Alves, Léia também enfrenta os desafios da luta por direitos em uma região marcada por conflitos de terra, pelo latifúndio e pelo machismo. Segundo ela, a trajetória de vida da sindicalista é o que a inspira a superar as dificuldades do dia a dia.
“Primeiro que eu venho de uma origem muito, muito pobre. Meus pais sempre trabalharam nas terras de outras pessoas no tempo do inverno e no tempo da seca sempre foi muito difícil. Eu entrei na diretoria para ser secretária e para fazer a limpeza do sindicato. Para fazer as atas, porque tinha uma letra bonita, organizar os arquivos do sindicato. O trabalho mais político era dos homens. Para mim, que sou mulher, preta, pobre e agricultora não é fácil ocupar este espaço ”, explica a presidente do STRM.
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Apesar dos obstáculos, ao longo dos anos Léia tem conseguido, junto com outras mulheres, transformar a realidade não só do sindicato, como de diversas trabalhadoras rurais da região. Segundo ela, tem sido um movimento de “muita ousadia” que abre “um novo olhar para o movimento sindical”.
“Aqui em Massaranduba, por exemplo, o sindicato tem sido um instrumento de luta das mulheres. Quando se atende uma mulher, não atende só para dar entrada no salário-maternidade e na aposentadoria. As mulheres aproveitam esse momento para falar das suas vidas. Inclusive, a gente acompanha vários casos de violência [de mulheres] que vem para cá fazer o seu atendimento e que tem essa porta no sindicato para lutar pela liberdade”, contou.
É diante dessa realidade que, 40 anos após a morte de Margarida Alves, Léia afirma convicta: “O nome de Margarida nunca vai morrer. O nome Margarida renasce a cada dia quando a gente transforma a vida de outras mulheres, quando a gente luta por liberdade, por autonomia, por transformação”.
Legado
Considerada uma das primeiras mulheres a exercer um cargo de direção sindical no país, Margarida Maria Alves foi responsável por mais de 100 ações trabalhistas na justiça do trabalho no estado da Paraíba.


Entre as lutas travadas pela sindicalista se destacam a busca pela contratação com carteira assinada, o pagamento do décimo terceiro salário, o direito das trabalhadoras e dos trabalhadores de cultivar suas terras, a educação para seus filhos e filhas e o fim do trabalho infantil no corte de cana.
Em 2023, quando Margarida completaria 90 anos de vida, milhares de mulheres marcharão em seu nome defendendo pautas como a democracia participativa e a participação política das mulheres, a democratização do acesso à terra e a autodeterminação dos povos, com soberania alimentar, hídrica e energética.
A cobertura jornalística “Especial Margaridas 2023: Mulheres pelo Bem Viver” é uma realização da Agência Informativa Pulsar Brasil, um programa da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil), em parceria com o Centro das Mulheres do Cabo (CMC) e o apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese).
Edição: Jaqueline Deister