Redação
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública pedindo o cancelamento das três outorgas de radiodifusão concedidas à Jovem Pan. A requisição se deve ao alinhamento da emissora à campanha de desinformação que se instalou no país ao longo de 2022 até o início deste ano, com veiculação sistemática, em sua programação, de conteúdos que atentaram contra o regime democrático.
A ação se baseia em uma análise do conteúdo produzido e transmitido pela Jovem Pan entre 1º de janeiro de 2022 e 8 de janeiro deste ano, com foco nos programas “Os Pingos nos Is”, “3 em 1”, “Morning Show” e “Linha de Frente”. De acordo com o MPF, o exame constatou uma série de discursos que extrapolam as liberdades de expressão e de radiodifusão e configuram, portanto, manifestações ilícitas.
Segundo a ação, além de disseminar reiteradamente conteúdos que desacreditaram, sem provas, o processo eleitoral de 2022 e atacar autoridades e instituições da República, a Jovem Pan também incitou a desobediência a leis e decisões judiciais, defendeu a intervenção das Forças Armadas sobre os poderes civis constituídos e incentivou a população a subverter a ordem política e social.
“Esta ação, portanto, não se volta contra discursos que legitimamente fazem parte ordinária dos dissensos políticos e ideológicos de sociedades plurais, mas sim busca a devida responsabilização de quem, praticando graves atos ilegais, abusou de outorgas de serviço público e desvirtuou os princípios e as finalidades sociais que lhes dão lastro”, diz o texto da ação.
Desinformação
De acordo com o MPF, mais de 20 comentaristas estão envolvidos nos casos apontados. O órgão destaca que, embora tenham sido protagonizadas por pessoas diferentes, todas as manifestações convergiram para a defesa das mesmas teses, e, por isso, podem ser identificadas com a linha editorial da emissora.
Em relação às falas que desinformavam sobre o sistema eletrônico de votação, foram constatados discursos de comentaristas que, sem qualquer conhecimento técnico ou jurídico, alegavam que as urnas não seriam seguras e que somente o sistema de voto impresso poderia garantir a lisura das eleições. Mesmo após as auditorias das urnas, os profissionais da emissora incitavam os ouvintes com comentários como: “deixar tudo nas mãos do TSE, sem questionamento, é suicídio eleitoral” e “tudo já se configura, por si só, uma espécie de golpe brando”.
O MPF também apurou falas graves direcionadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), inclusive contra seus ministros. Segundo o órgão, os comentaristas chegaram a usar palavras como “entrave” e “câncer” para caracterizar as cortes e defendiam com frequência que o Senado abrisse processo de impeachment contra seus membros, especialmente Alexandre de Moraes.
Incitação
As acusações infundadas de omissão de autoridades e manipulação do processo eleitoral desaguaram na tese de que as Forças Armadas deveriam intervir sobre os Poderes da República. “Se as Forças Armadas estiverem dispostas a agir, o que o STF decide é absolutamente irrelevante” e “se vocês [Forças Armadas] vão defender a pátria, e vai haver reação de vagabundo, ué, passa o cerol, pô! Vocês são treinados pra isso” foram apenas alguns dos exemplos constatados.
Não satisfeitos, os comentaristas da emissora chegaram a defender uma ruptura institucional, legitimar atos de grupos radicalizados que não aceitavam o resultado das eleições e até a propor uma “guerra civil” como alternativa.
Após a divulgação da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), um dos comentaristas chegou a dizer que “ou a gente aceita uma eleição sem transparência, sem legitimidade, sem confiança da população, ou a gente aceita tudo isso, e abaixa a cabeça, ou a gente vai ter guerra civil”. Em seguida, concluiu: “então que tenha guerra civil, pô!”.
“As Forças Armadas estão conscientes do momento que estamos vivendo. Agora, elas só agem provocadas por um dos Poderes. Então, nesse ponto, o novo endereço, para o povo que quer se manifestar não é mais os quartéis, o novo endereço é a Praça dos Três Poderes”, propôs o mesmo comentarista na ocasião.
Indenização
Além do cancelamento das outorgas de rádio, a ação do MPF pede que a Jovem Pan seja condenada ao pagamento de R$ 13,4 milhões como indenização por danos morais coletivos. O valor corresponde a 10% dos ativos da emissora apresentados em seu último balanço.
Também para reparar os prejuízos da programação à sociedade, o Ministério Público pleiteia que a Justiça Federal obrigue a emissora a veicular, ao menos 15 vezes por dia entre as 6h e as 21h durante quatro meses, mensagens com informações oficiais sobre a confiabilidade do processo eleitoral. As inserções devem ter de dois a três minutos de duração e trazer dados a serem reunidos pela União, também ré no processo.
As três outorgas de rádio da Jovem Pan estão em operação em São Paulo e Brasília. Todavia, a rede conta com mais de cem afiliadas que retransmitem o sinal a centenas de municípios em 19 estados.
O MPF esclarece que, embora a emissora mantenha a veiculação de sua programação também no YouTube e em um canal de TV por assinatura, a ação civil pública trata do cancelamento apenas das outorgas de rádio pelo fato de a radiodifusão constituir um serviço público, concedido ou permitido pela União a particulares interessados em explorá-lo.
Junto com a ação civil pública, o MPF também expediu uma recomendação à Controladoria-Geral da União (CGU) para que instaure um processo administrativo que impeça a Jovem Pan de celebrar contratos com a Administração Pública federal. O pedido se baseia em parecer aprovado pela Advocacia-Geral da União (AGU) logo após os ataques de 8 de janeiro e com força vinculante. A norma considera que empresas envolvidas em atos antidemocráticos devem ser consideradas inidôneas para contratar com o Poder Público.
Confira a íntegra da Ação Civil Pública movida pelo MPF.
*Com informações do MPF.
Edição: Jaqueline Deister