Nos últimos anos assistimos a uma progressiva mudança nos meios de comunicação a respeito da cobertura e o tratamento das informações e questões vinculadas às mulheres. Por exemplo, na publicidade, a representação das mulheres se divide entre diferentes corpos, ocupações e desejos, valorizando o estereótipo da mulher branca, reprodutora, cozinheira e dona de casa.
Diversos debates se instalam na sociedade graças, fundamentalmente, à atuação dos movimentos e organizações de mulheres no mundo inteiro e a insistência das mulheres dentro dos partidos políticos e das organizações, para ter um lugar que se corresponda com sua representação na sociedade. “Ela desatinou, desatou nós” como diz a canção.
No Brasil, a população está composta 51,8% de mulheres e 48,2% de homens, segundo a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2019. Ou seja, somos mais mulheres do que homens. Porém, essa proporção não se repete em quase nenhuma das atividades vinculadas à comunicação, sem falar quando se trata de funções de condução ou direção.
Apesar de sermos maioria da população, o documento Mulheres no Mercado de Trabalho da PNAD Contínua de 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), registra que “a população ocupada de 25 a 49 anos totalizava 56,4 milhões de pessoas no Brasil em 2018. Esse contingente era composto por 54,7% de homens e 45,3% de mulheres. Essas estimativas não apresentaram variações importantes desde 2012, mostrando o predomínio da participação masculina no contingente de ocupados.” Essa diferença também se mantém na comparação de remunerações entre homens e mulheres para uma mesma função.
E na comunicação?
Já entrando no mundo da comunicação, durante a IV Conferência das Nações Unidas sobre a Mulher, foi elaborado o documento histórico Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (Beijing), de 1995. Esse texto já aponta para necessidade de participação das mulheres na mídia na seção J: “A mulher e os meios de comunicação”.
Nesse texto se definem os objetivos estratégicos orientadores para a ação dos governos e da sociedade: “Aumentar o acesso das mulheres aos processos de expressão e de tomada de decisões na mídia e nas novas tecnologias de comunicações, aumentar também sua participação nessas áreas, bem como aumentar a possibilidade para elas de expressarem‐se pelos meios de comunicação e as novas tecnologias da comunicação.”
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Porém, ainda hoje é gritante a discriminação das mulheres jornalistas e comunicadoras nos meios de comunicação no mundo inteiro. O trabalho da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) Tendências mundiais sobre a liberdade de expressão e o desenvolvimento da mídia confirma a distância na esfera da comunicação entre homens em cargos de direção ou tomada de decisões e mulheres nesses mesmos cargos.
Segundo a pesquisa, quanto mais responsabilidade acumular o cargo, mas longe fica esse cargo para as mulheres: 64% dos profissionais no nível iniciante são homens e apenas 36% são mulheres; e só 26% das presidências das empresas de comunicação são ocupadas por mulheres enquanto 74% das presidências estão ocupadas por homens.
Entre as rádios comunitárias o panorama é alentador, mesmo que as taxas de representação das mulheres em funções de responsabilidade sejam parecidas às da mídia comercial. Segundo uma pesquisa realizada pela Rede de Mulheres da Associação Mundial de Rádios Comunitárias subregião Ásia-Pacífico, as mulheres em cargos de liderança passaram de 7% a 28% em 2006 e a 35% em 2013.
E lá em casa?
Um espaço pioneiro e farol mundial para as mulheres na comunicação e fora dela é o programa radiofônico Viva Maria, que em 2021 faz 40 anos promovendo e defendendo os direitos das mulheres. Sua criadora e apresentadora, Mara Régia, bem sabe o que ainda deve lutar para manter o espaço na EBC (Empresa Brasil de Comunicação) tão necessária para o fortalecimento dos direitos da população brasileira.
Mesmo com tantos prêmios recebidos, reconhecimento internacional e, principalmente, com o apoio das audiências das Rádios Nacionais – é por ela que cada 14 de setembro se comemora o Dia Latino-Americano e Caribenho da Imagem da Mulher nos Meios de Comunicação- . Na data é celebrada a estreia do Viva Maria que sinaliza as conquistas e pendências da comunicação entre as mulheres.
Mas apesar desse reconhecimento mundial, a participação das mulheres nos meios de comunicação brasileiros acompanha a tendência mundial de discriminação. Essa participação diminui ainda mais entre as jornalistas negras. Segundo publicação do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Mulheres e Comunicação no Brasil: 1995 a 2015, com dados do Ministério de Trabalho, as mulheres exercem 39% das Diretorias de Redação, sendo cerca de 30% mulheres brancas e quase 9% mulheres negras.
Durante o ano 2017 a Gênero e Número e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), realizaram a pesquisa Mulheres no Jornalismo Brasileiro. O estudo aporta dados quantitativos e qualitativos com o objetivo de investigar diversas dimensões das vivências e percepções das mulheres jornalistas no Brasil. A pesquisa registra que as mulheres não são tidas em conta como especialistas e 41% delas trabalham em várias editorias ao mesmo tempo. Por exemplo, apenas 13% delas trabalham a maior parte do tempo em assuntos de “Política” e 0,6% das mulheres jornalistas atuam na área de “Tecnologia”.
“Elas tendem a perceber desproporção em favor dos homens nos cargos de liderança – como editores, coordenadores e diretores. Apenas 19,4% apontaram haver proporções iguais de homens e mulheres nessas posições, enquanto 65,4% alegaram haver mais homens em cargos de poder e somente 15% disseram haver mais mulheres. No tocante à cor ou raça, o quadro é dramaticamente desigual. Um total de 94,5% das respondentes disseram haver mais pessoas brancas do que negras em seus veículos. Nos cargos de liderança, esse percentual foi de 95,6%.”
A ONU Mulheres lançou em 2016 o Pacto de Mídia que “tem como objetivos: incentivar o empoderamento das mulheres em postos de liderança e tomada de decisão nos meios de comunicação e desenvolver conteúdos colaborativos com empresas de comunicação”.
Nesse evento internacional, Luiza Carvalho, diretora regional da ONU Mulheres para Américas e Caribe, afirmou que “a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim continuam a ser o consenso global mais progressista para fazer realidade os direitos humanos das mulheres. Entretanto, nas revisões, entre elas Pequim+20, a sociedade civil latino-americana e caribenha apontou que a esfera mulheres e mídia é a que apresenta maior número de ‘tarefas pendentes’”.
Se faz evidente que, mesmo com uma agenda feminista posta nas telas, no papel e nos microfones, ainda há filme pra contar até que nós, mulheres, possamos vivenciar os nossos direitos plenamente, também nos meios de comunicação.
Sugestão para assistir:
Videoclipe de banda Francisco, El hombre – “Trista, louca ou má”