Na última terça-feira (11), a campanha do presidente da República e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) veiculou uma série de propagandas que afirmam que seu opositor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teria sido o mais votado nos presídios do Brasil.
Logo na abertura do vídeo, a apresentadora diz: “Sabe onde Lula teve mais votos no primeiro turno das eleições? Nas cadeias e nos presídios do Brasil”. Na sequência, a peça publicitária sugere que o petista defende criminosos e, por isso, teria obtido a maioria de votos entre detentos.
Desde que foi ao ar, a propaganda do presidente tem sido questionada por diversos juristas, organizações e, inclusive, por órgãos da Justiça por distorcer fatos e veicular desinformação sobre o exercício do voto em estabelecimentos prisionais.
Descontextualização
De acordo com Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), a campanha de Bolsonaro “descontextualizou de forma muito grosseira os fatos” ao afirmar que Lula teria ganhado nos presídios.
“Quem cumpre pena em presídio é quem está condenado definitivamente. E quem está condenado definitivamente não vota. Portanto, não existe votação em presídio no Brasil”, destacou o jurista em entrevista à Pulsar.
Segundo Neisser, o que existe no sistema eleitoral brasileiro é a possibilidade de que pessoas que estão presas cautelarmente em casas e centros de detenção provisória (que não são presídios) exerçam o direito de voto.
“Tirar o direito de alguém votar é algo muito sério, que só pode acontecer nos termos do que diz a Constituição quando você tem uma condenação definitiva transitada em julgado e a pessoa está cumprindo pena. Portanto, quem vota estando com a liberdade privada são aqueles adolescentes maiores de dezesseis e menores de dezoito que já estão alistados – e ainda sem condenação definitiva – e aquelas pessoas que estão presas por medidas cautelares em processos. São pessoas, portanto, não condenadas definitivamente”, esclareceu o advogado.
Ainda de acordo com o jurista, a distorção promovida pela campanha de Bolsonaro é considerada grave pois, segundo ele, “pode levar o eleitorado a fazer uma ilação que não é verdadeira” sobre os grupos que apoiam e são apoiados pelo ex-presidente Lula.
Penalidades
Em relação às penalidades cabíveis à campanha de Bolsonaro pela veiculação de desinformação, Neisser comenta que, de acordo com a lei eleitoral, em primeiro lugar, a propaganda deve ser retirada do ar, tanto no rádio e TV, como em redes sociais.
O representante do Iasp acrescenta que existe, ainda, a possibilidades de que a Justiça conceda direito de resposta à campanha de Lula nas mídias onde as peças publicitárias tenham sido veiculadas e até mesmo que determine a perda de tempo de propaganda de Bolsonaro.
“No limite, se considerada degradante a propaganda em rádio e televisão pode haver a perda do dobro do tempo usado pra fazer a propaganda e não se afasta a possibilidade, pelo menos em tese, de configurar o crime do artigo 323 do Código Eleitoral, que é a divulgação de fato sabidamente inverídico contra candidatos, partidos ou coligações que tenham capacidade de influenciar o eleitorado”, destacou.
De acordo com o Código Eleitoral a pena para quem infringe o artigo 323 é “detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa”.
Justiça
Ainda nesta semana, a Defensoria Pública da União (DPU) apresentou à Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) uma notícia de fato contra o presidente Jair Bolsonaro pela veiculação da propaganda que afirma que Lula teria sido o mais votado nos presídios brasileiros.
Leia mais: Como conciliar o combate à desinformação na internet com a proteção de dados pessoais?
Segundo o órgão, a peça é racista e discriminatória, extrapola a liberdade de crítica e veicula desinformação sobre o exercício do voto em estabelecimentos prisionais.
No documento, a DPU pontua que a propaganda não esclarece que o exercício do voto por pessoas presas é garantido exclusivamente àquelas que estão detidas em razão de medida cautelar judicial ou que não foram condenadas em definitivo. O órgão também questiona a veiculação de imagens de jovens negros rotulados de “criminosos” e “bandidos”, em especial a que um dos jovens aparece algemado e declarando voto em Lula.
Segundo a Defensoria, a situação além de ser “politicamente abusiva e de conteúdo discriminatório”, a propaganda “indicia possível prática de abuso ou até tortura, pois parece incomum a espontaneidade desse tipo de declaração em situação de abordagem ou detenção regular”.
Além da retirada imediata da propaganda dos veículos de mídia, a DPU solicitou que o presidente da República seja advertido a evitar divulgar conteúdos de campanha que discriminem grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade social e política.
Na mesma linha, A ministra Maria Claudia Bucchianeri, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou a suspensão da propaganda da campanha de Bolsonaro que afirma que Lula defende que ladrões roubam celulares para “tomar uma cervejinha”.
Segundo a ministra, trata-se de um “caso de grave manipulação discursiva” em que as falas de Lula veiculadas na peça foram tiradas de contexto para induzir o eleitorado a erro. Caso a propaganda não seja retirada do ar a pena de multa estipulada é de R$ 50 mil.
Edição: Jaqueline Deister