Pouca gente sabe, mas o Brasil é o segundo país que mais mata jornalistas na América Latina, ficando atrás somente do México. Um detalhado relatório do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contabilizou 64 comunicadorxs brasileirxs mortxs entre 1995 e 2018. E a impunidade é a regra, aqui e lá fora: 85% dos assassinatos de jornalistas no mundo ficam sem solução; no Brasil, 72% deles.
Mesmo quando não se chega ao extremo do assassinato, há um conjunto de violências contra jornalistas que limita a liberdade de expressão, provoca a autocensura nxs demais comunicadorxs e termina por privar toda a sociedade de se informar com qualidade e diversidade. São tentativas de assassinato, ameaças de morte, torturas, sequestros, intimidações com processos judiciais, assédios online…
Anualmente, a ONG Artigo 19 compila dados sobre violações à liberdade de expressão no Brasil. O último relatório, com informações referentes a 2019 e 1º semestre de 2020, dá destaque ao aumento da violência contra jornalistas na esfera digital – notadamente contra mulheres – e aos ataques por parte do próprio Presidente da República, seus ministros, filhos e assessores. Não é outra a conclusão do Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil – 2020, elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ):
A violência contra comunicadorxs cresceu 105,77% em 2020, com Jair Bolsonaro liderando os ataques.
Nessa mesma linha, seguem os Repórteres Sem Fronteiras para explicar o retrocesso em quatro posições (111ª entre 180 países) no Ranking da Liberdade de Imprensa 2021, em que o Brasil figura pela primeira vez na zona vermelha (“situação difícil”). São famosas as declarações de Bolsonaro de descrédito da imprensa, inclusive com ameaças de agressão física e ataque de cunho sexual e sexista (motivo da sua condenação em primeira instância em ação movida pela vítima, Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha de São Paulo).
Acontece que os ataques partem de quem tem a obrigação de proteger. O Estado brasileiro é signatário de tratados e convenções internacionais que o obrigam a prevenir, proteger e a investigar casos de violência contra jornalistas.
Além do mais, o discurso de ódio e de deslegitimação da imprensa emanado desde o poder central gera um perigoso efeito em cascata, motivando ataques por outras esferas governamentais e incentivando a violência contra comunicadorxs nos territórios, onde a atuação jornalística sempre foi mais frágil. Foi o caso da rádio Comunidade FM, de Santa Cruz do Capibaribe (Pernambuco), que em 7 de abril de 2021, foi invadida por quatro apoiadores de Jair Bolsonaro que ameaçaram Júnior Albuquerque por conta das críticas do radialista à atuação do Presidente na pandemia.
Importância e (in)segurança dxs comunicadorxs comunitárixs
Historicamente, as mídias comunitárias brasileiras têm persistido num cenário bastante difícil, seja por enfrentarem poderes instituídos, funcionarem sem reconhecimento legal ou conviverem com poucos recursos.
Por tudo isso, comunicadorxs comunitárixs tendem a ser mais vulneráveis: não raro convivem com alvos de suas denúncias e que, frequentemente, são agentes do Estado (vereadores, policiais, juízes); no caso de rádios comunitárias com situação legal irregular, pode haver receios de solicitar ajuda junto às forças de segurança; a falta de recursos financeiros dificulta o acesso a equipamentos, à formação qualificada sobre procedimentos de segurança, à ajuda psicológica profissional e ao apoio jurídico necessário para a defesa legal contra os ataques.
No caso das rádios comunitárias brasileiras, a proibição legal de acesso a múltiplas formas de financiamento deixa emissoras e comunicadorxs em situação de vulnerabilidade, apesar do papel central que ocupam na produção local de notícias. No artigo acadêmico “Invisíveis e solitários: o jornalismo investigativo praticado por jornalistas de rádios comunitárias no interior do Brasil” (2020), os pesquisadores Matheus Dias Galdino Soares e José Carlos Fernandes tratam da importância das mídias comunitárias na luta contra a corrupção local no interior do estado do Paraná. Dentre os empecilhos enfrentados pelxs comunicadorxs estão justamente a falta de recursos para suporte jurídico em caso de represálias.
Em entrevista, Soares aponta que os radialistas pesquisados destacaram como obstáculo central o impedimento legal a publicidade, permitida somente a limitada forma de apoio cultural. Ora, num cenário pandêmico, em que o comércio local – apoiador por excelência desses meios – encontra-se em dificuldades financeiras pelas restrições sanitárias, as rádios comunitárias ficam ainda mais economicamente vulneráveis.
Segurança dxs comunicadorxs comunitárixs e democracia
Os já citados relatórios anuais sobre violações a liberdade de expressão da Artigo 19 escancaram um padrão: a maior parte das vítimas atuava em cidades pequenas. Para a comunicação comunitária, as consequências são profundas.
Em muitos lugares, como na região da Transamazônica (Pará), a mídia comunitária é o único meio de comunicação próprio e a violência tem um efeito de silenciamento ainda mais duradouro. A alta subnotificação das violações à liberdade de expressão das comunidades é outro problema grave, pois invisibiliza quem é mais frágil.
Para fazer frente a isso, organizações como o CRIAR Brasil, associada da AMARC Brasil, tem levantado a bandeira da segurança de comunicadorxs comunitárixs junto a iniciativas amplas da sociedade civil, como a Rede Nacional de Proteção a Comunicadores e a própria UNESCO Brasil. O desafio é enorme e exige ação conjunta e imediata de toda a sociedade. Mas passa pela necessariamente pelo Estado, que, no Brasil, tem sido mais opositor que promotor da comunicação comunitária.
O jornalismo plural e diverso desempenha papel fundamental na democracia. Lutar pela segurança no trabalho jornalístico local comunitário é lutar pela soberania popular desde os territórios, em sua luta por igualdade, justiça social e direitos.
Não há democracia popular sem segurança no jornalismo comunitário.