Redação
Após sucessivos ataques às instituições da República e, principalmente ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) divulgou nesta quinta-feira (9) uma carta à nação dizendo que “nunca teve a intenção de agredir quaisquer Poderes” e que “suas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento”.
A declaração foi escrita junto com o ex-presidente Michel Temer (MDB). Bolsonaro ligou para Temer ontem e mandou buscá-lo em São Paulo hoje pela manhã. O político também mediou uma ligação telefônica de Bolsonaro para o ministro Alexandre de Moraes, principal alvo dos ataques do presidente.
“Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar”, afirmou o presidente em carta.
A mudança de postura de Bolsonaro ocorre um dia após o presidente do STF, Luiz Fux, fazer um duro discurso contra as falas golpistas do mandatário no 7 de setembro e afirmado que a ameaça de descumprir decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes, se confirmada, configura “crime de responsabilidade”.
Antidemocrático
O tom de ameaça dos discursos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nos atos organizados por seus apoiadores no feriado da Independência tem motivado uma série de reações entre movimentos sociais, partidos políticos e demais grupos ligados à defesa da democracia brasileira. Além das já tradicionais notas de repúdio às declarações do chefe do Executivo, as respostas aos ataques antidemocráticos do 7 de setembro incluem desde declarações de membros do Judiciário até a articulação de uma agenda política compartilhada por vários partidos para reforçar a pressão pelo impeachment de Bolsonaro.
Ainda na terça-feira (7), horas após os pronunciamentos do presidente, o Grupo Direitos Já – Fórum pela Democracia definiu, em plenária, um calendário de ações para as próximas semanas cujos objetivos seriam garantir a realização das eleições de 2022 e o impedimento de Bolsonaro. Para tanto, o grupo pretende realizar de forma virtual, no dia 15, um ato internacional com a presença de parlamentares e personalidades da academia e das artes. Também está prevista a organização de um novo ato de centrais sindicais e movimentos populares pelo “Fora Bolsonaro” no dia 18.
Leia mais: “O bolsonarismo está acuado”, diz cientista político sobre atos previstos para o 7 de setembro
Durante a reunião, o Fórum, que reúne lideranças de 18 partidos políticos, ainda decidiu solicitar audiências com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). A audiência com Fux será para prestar solidariedade ao Supremo, já para o encontro com Lira a organização pretende apresentar um novo pedido de impeachment contra Bolsonaro, mas desta vez o documento será assinado apenas por juristas, sem a chancela de partidos políticos.
A agenda definida pelo Fórum culminaria, por fim, com um grande ato nacional que reuniria lideranças políticas de diferentes campos em defesa da democracia e em em repúdio à postura golpista do Palácio do Planalto. Segundo os organizadores, a proposta é que esse grande ato ocorra no final de setembro ou início de outubro, após a conclusão do relatório da CPI da Covid, e agrupe “de Lula a Fernando Henrique Cardoso, de Ciro Gomes a João Doria”.
Nos últimos dias, o PSDB e o Partido Novo anunciaram oficialmente que passarão a integrar a oposição ao governo de Jair Bolsonaro nas ruas. O Solidariedade comunicou que deve ter um posicionamento mais claro na próxima quarta (15).
Já o DEM, MDB e PSL, embora tenham divulgado notas criticando as recentes declarações do presidente e contem com divergências internas, em geral seguem próximos ao presidente, com ministros no governo e cargos de lideranças do governo no Congresso. Na mesma linha, o Podemos declarou que seguirá “independente” e descarta aderir ao movimento de impeachment.
Judiciário
Na quarta-feira (8), a resposta ao Palácio do Planalto veio do presidente do STF, ministro Luiz Fux. Em discurso antes da abertura da sessão de julgamentos do dia, Fux foi enfático ao afirmar que a Corte não aceitará intimidações:
“Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição e, ao assim proceder, esta Corte reafirmará, ao longo de sua perene existência, o seu necessário compromisso com a democracia, com os direitos humanos e com o respeito aos poderes e às instituições deste país”, disse o ministro.
Leia mais: Ministros do STF e ex-presidentes do TSE rebatem acusações de Bolsonaro sobre fraudes nas eleições
Embora não tenha citado o nome do presidente da República em nenhum trecho do discurso, Fux deixou claro que “Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discurso de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis”. Inclusive, em relação ao possível descumprimento das decisões do Supremo pelo Executivo, o ministro afirmou que tal atitude pode ser enquadrada como crime de responsabilidade:
“O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional”, pontuou.
Ao longo do discurso, Fux também fez questão de elogiar a disciplina das Polícias Militares e das Forças Armadas durante as manifestações de terça-feira e reafirmou o compromisso do judiciário, representado pelos “mais de 20.000 magistrados do país”, com a defesa dos princípios constitucionais.
Por fim, o presidente do STF convocou os líderes do país a se dedicarem aos “reais problemas que assolam o nosso povo”. Entre eles, o ministro citou a pandemia de Covid-19 que já fez mais de 580 mil vítimas no Brasil, os altos índices de desemprego e inflação e a atual crise hídrica que o país enfrenta.
“Esperança por dias melhores é o nosso desejo e o desejo de todos, mas continuamos firmes na exigência de narrativas e comportamentos democráticos, à altura do que o povo brasileiro almeja e merece. Não temos mais tempo a perder”, concluiu o ministro.
Impeachment
Ainda na quarta-feira, foi protocolado pelo deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) o 137º pedido de impeachment contra Bolsonaro, desta vez a solicitação trata das declarações feitas pelo presidente no 7 de setembro. O número de pedidos de impedimento contra o presidente já é maior do que a soma de seus antecessores: Lula (37), Dilma (68) e Temer (31). Das 137 solicitações feitas contra Bolsonaro, 71 foram protocoladas depois que Arthur Lira assumiu a presidência da Câmara.
No próximo domingo (12), grupos de centro-direita como o Vem Pra Rua, o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Livres devem realizar protestos pró-impeachment em São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Brasília.
O presidente do PDT, Antonio Neto, confirmou em nota que o partido participará da mobilização que também conta com apoio de entidades sindicais como a Força Sindical, a União Geral dos Trabalhadores (UGT), a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e a Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST).
Até o momento, partidos de esquerda como o PT e o PCdoB declararam que não participarão dos atos deste domingo pois, segundo eles, não houve construção coletiva e haveria, ainda, a necessidade de diálogo com as bases partidárias para que não haja o risco de que antagonistas políticos sejam hostilizados quando vistos juntos nos atos contra Bolsonaro.