Desde a última semana, os movimentos de mulheres do Cariri cearense têm cobrado dos poderes públicos locais ações de formação e capacitação dos servidores e servidoras para o atendimento adequado à população LGBTQIA+. Embora seja uma pauta antiga dos movimentos e organizações sociais da região, a reivindicação ganhou destaque após o caso de transfobia ocorrido no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, dentro da Prefeitura Municipal do Crato.
O fato ocorreu quando a ativista Jhully Carla, que participava do ato das mulheres em frente a prefeitura, precisou usar o banheiro da administração pública para trocar de roupa. Segundo Jhully, ao perguntar ao guarda municipal de plantão sobre onde ficava o banheiro, ele a teria indicado a usar o banheiro masculino.
A ativista, que também é conselheira municipal de direitos LGBTQIA+ de Juazeiro do Norte, município vizinho ao Crato, contou que estava acompanhada de uma amiga cisgênero, para quem o servidor indicou o banheiro feminino.
“Ele, inclusive, parabenizou a gente [pelo Dia da Mulher]. Só que não percebeu que eu era mulher trans. Talvez porque eu tenho o cabelo curto, gosto de roupas folgadas, ele me indicou o masculino”, explicou à Pulsar.
Ao lembrar da situação, Jhully ressalta que não chegou a ser impedida de usar o banheiro feminino e, por isso, optou por não registrar queixa contra o servidor. Segundo ela, “tudo ficou esclarecido” após conversa com o guarda municipal. Ainda assim, a ativista não esquece o constrangimento sofrido.
“Eu fiquei constrangida no momento porque eu sou mulher trans e me reconheço como mulher. Senti a minha identidade deslegitimada naquele momento. Fiquei muito abalada” recorda.


Formação
Assim que saiu da prefeitura, Jhully contou sobre o episódio às mulheres que participavam da manifestação na frente da sede do poder executivo municipal e, junto delas, cobrou do poder público ações de formação para prevenir que servidores e servidoras municipais cometam novos atos de discriminação contra pessoas LGBTQIA+.
“Eu pedi que esses profissionais sejam capacitados para que conheçam os direitos da população LGBTQIA+ e entendam as demandas dessa população. Se eu me reconheço como mulher, então eu tenho que usar o banheiro de acordo com o meu gênero. Se um homem trans se reconhece como homem, então ele tem que usar o banheiro de acordo com o gênero que ele se reconhece”, reforçou.
Ainda segundo a ativista, no dia seguinte, em reunião com o conselho de direitos LGBTQIA+ do município, foi feito um pedido para que a prefeitura garantisse formação voltada às questões de gênero aos profissionais das áreas da Saúde, de Assistência Social, Educação e Segurança Pública.
De acordo com Verônica Isidoro, professora e militante da Frente de Mulheres do Cariri, a capacitação de servidoras e servidores públicos em relação aos temas de gênero e raça tem sido uma das principais reivindicações dos movimentos de mulheres, negros e LGBTQIA+ da região.
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Segundo ela, “um servidor ou uma servidora não pode destratar e nem deixar de atender uma pessoa porque ela é LGBT, porque é negra ou porque é mulher”. Neste sentido, Verônica comenta que os movimentos sociais do Cariri têm cobrado dos governos (municipais, estadual e federal) uma “política pública de qualidade”.
“A qualificação dessa política só é possível a partir de um processo amplo de formação para todos os servidores e servidoras. Para que a pessoa consiga, por exemplo, entender e respeitar o nome social da outra, para que o atendimento seja mais humanizado e abrangente, para que as especificidades de cada ser humano sejam observadas de forma mais natural e, para que, obviamente, a gente acabe com essas formas de violência com as quais nós temos sido tratadas ao longo da vida. É a negação, a anulação e, muitas vezes, o impedimento ao acesso de algum serviço por conta da discriminação”, explica a professora à Pulsar.
Prefeitura
Em nota oficial divulgada após a repercussão do caso, a prefeitura do Crato disse que “repudia todo e qualquer ato de preconceito e discriminação contra a população LGBTQIAP+”.
A prefeitura municipal ainda acrescenta que “tem estado antenada com as políticas afirmativas e procurado sintonizar ao máximo à gestão para que haja como imperativo o respeito às pessoas, independente da sua identidade de gênero”. Neste sentido, destaca a criação da “Assessoria para Políticas Públicas Voltadas à População LGBTQIAP+”, órgão que, segundo o executivo municipal, realizou “ações de formação, campanhas de conscientização nos meios de comunicação, cursos profissionalizantes, além de afixação de placas em órgãos públicos em que destaca que LGBTfobia é crime, previsto na Lei Municipal nº 3.825/2021 e na Lei Estadual nº 17.480/2021”.
Em relação ao caso de transfobia ocorrido no 8M, a prefeitura informou que “aguarda a formalização da denúncia pela suposta vítima para adotar as providências cabíveis em face do servidor envolvido, instaurando processo investigativo com a observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, para que sejam apuradas as devidas responsabilidades”.
Edição: Jaqueline Deister