Desde 2017, uma experiência singular e inovadora vem sendo desenvolvida em vários municípios do Ceará com as famílias que vivem da pesca. O projeto “Pescadoras e pescadores artesanais construindo o bem viver” é apoiado e incentivado pela Cáritas Diocesana de Crateús Ceará e se destaca como uma vivência exitosa por apresentar alternativas para os problemas em territórios tradicionais.
Antes, a realidade era de invisibilidade, sem acesso às informações, marcada pela discriminação e preconceitos, tanto pela sociedade quanto pelo poder público. Agora, após o projeto, a partir de cursos e estudos de formação política destes trabalhadores artesanais, eles passaram a ter o seu trabalho reconhecido e visibilizado, além de ter acesso às políticas públicas.
O assessor da Cáritas Diocesana de Crateús, Adriano Leitão, explica que, em três anos de projeto, os resultados são concretos.
“Pescadores e pescadoras de açudes das regiões atendidas conseguiram inserção nas feiras da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária em âmbito municipal, estadual e nacional, fortalecendo a comercialização do pescado. Além disso, 45 demandas já foram negociadas pela iniciativa, que também promove o diálogo entre o poder público e as comunidades nas chamadas ‘mesas de negociação’”, detalha Leitão.
De acordo com Leitão, a Cáritas também apoia na assessoria jurídica, pois são muitos direitos negados. Um destaque importante que tem ocorrido é a articulação dos pescadores dos açudes com os demais pescadores do Ceará e de outros estados do Nordeste.
Mulheres pesqueiras
O importante do projeto foi ter contribuído no empoderamento da mulher na busca por direitos e o reconhecimento da pesca artesanal. As formações, oficinas temáticas específicas para as mulheres e, também, em momentos mistos para os pescadores entenderem o papel da mulher na pesca artesanal, foram fundamentais nesta trajetória.
“As mulheres estão nas colônias e associações ocupando cargos nas diretorias, o que era muito raro”, conta a pescadora Joelma Ferreira, 45 anos, moradora da cidade de Independência, no interior do estado do Ceará.


Após ingressar no projeto, Joelma ganhou uma nova perspectiva de seu trabalho. Antes, mesmo atuando na atividade, a pescadora não se entendia como “companheira de profissão” do marido, o pescador Luiz Ferreira, de 46 anos.
“Foi onde a mulher conseguiu se abrir, conversar sobre suas necessidades. Quando a gente diz que pesca, as pessoas ainda olham com o olho torto. O projeto veio dizer que nós, mulheres, somos capazes de exercer o trabalho do homem. Eu pesco, trato e vendo. Eu faço tudo”, conta orgulhosa Joelma.
Um pouco mais da história…
A pescadora participou no programa “Vida de Mulher”, da Rádio FM Comunitária de Independência contando de forma muito empolgada a experiência dela e de outras companheiras na iniciativa.
Joelma contou que as atividades do projeto chegaram a outras mulheres atendidas e, também proporcionaram aos maridos a valorização do papel feminino na atividade. Hoje, ela, o marido e o filho tiram a renda mensal, de cerca de um salário mínimo, da pesca realizada no açude Barra Velha e Jaburu II, ambos na região do Ceará.
Na pandemia, por conta das baixas na venda, Joelma passou a se reinventar e ofertar pratos elaborados a partir das oficinas que recebeu no projeto. “Estou fazendo hambúrguer, linguiça de peixe, peixe frito, bolinha de peixe. É uma maior comodidade ao cliente. Não só aprendi como também ensinei”, conta.
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Na avaliação da pescadora, o projeto ajudou principalmente para fazer com que as mulheres se reconheçam como profissionais da área.
“O projeto veio para ajudar as pescadoras que, até então não se viam como profissionais que são, mesmo exercendo a mesma atividade na pesca, sempre nos identificávamos como ajudante de nossos esposos. Hoje, depois de muitas formação e informações, sabemos o nosso verdadeiro papel em nossa profissão. Somos pescadoras artesanais, e não as ajudantes. Exercemos as mesmas atividades que nossos parceiros e ainda damos conta de nossas atividades domésticas”, ressalta.
Joelma vem se destacando com seu trabalho, visitando as comunidades, realizando cursos e oficinas e foi participar do III Seminário dos Pescadores e das Pescadoras do Semiárido Brasileiro, representando o novo empreendimento que ela e sua família conquistaram com muito esforço e suor.
História do projeto
O projeto “Pescadoras e pescadores artesanais construindo o bem viver” está dentro de uma iniciativa maior chamada Caminhos da Resiliência que visa intensificar os processos de negociação política a fim de garantir a continuidade da atividade da pesca artesanal no Ceará. A proposta conta atualmente com 830 pescadores atendidos em 12 municípios cearenses. Ao todo, seis associações e três colônias são beneficiadas nas cidades de Tauá, Novo Oriente e Crateús.
A iniciativa, ao longo de três anos, atuou em conflitos rurais, aquisição de cestas básicas e atendimentos odontológicos; auxiliou a entrada de pescadores e pescadoras em programas governamentais, como Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e atendeu a demanda de aquisição de canoas, isopor, e galões de água para melhorar a atividade da pesca na região.
Além disso, incidiu diretamente nas políticas de incentivo à pesca artesanal a partir da contratação da assessoria de uma advogada que realizou oficinas com os pescadores e pescadoras para identificar os conflitos socioambientais e desafios de cada um dos grupos. O estado do Ceará não conta com leis municipais específicas para a pesca artesanal. Ainda serão apresentados sete projetos de leis municipais para dialogar com as Câmaras dos 12 municípios atendidos e nessa luta já há apoio de alguns parlamentares.
O projeto é realizado pela Cáritas Diocesana de Crateús e cofinanciado pela União Europeia. Ao longo dos anos de atuação, trabalha em parceria com o Conselho Pastoral dos Pescadores do Ceará e uma organização italiana, além de secretarias municipais de agricultura, educação e saúde e sindicatos de trabalhadores rurais. Outras entidades, como o Instituto Terramar e a Fiocruz, também desenvolvem trabalhos em parceria.
Atividade econômica
Vale ressaltar que a pesca é uma das principais fontes de renda de famílias e que influencia diretamente na economia do Estado, fornecem produtos em qualidade e quantidade para a população brasileira. Porém, o Estado não tem dado o devido reconhecimento a elas. Os pescadores lutam por uma lei que os proteja e proteja os territórios contra a degradação ambiental, destruição das árvores, rios contaminados e as atrocidades desse governo maldito que desconsidera as vidas nos territórios.
A pesca artesanal é compreendida enquanto uma atividade praticada por pescadores e pescadoras artesanais, com a função de assegurar a reprodução do seu modo de vida, que possui características culturais, econômicas, ambientais e sociais específicas.
Para os/as pescadores/as artesanais cearenses, a pesca representa muito mais do que uma profissão: trata-se de uma arte (ofício) que, além de prover o alimento e, através da comercialização, os demais recursos necessários à sua sobrevivência, carrega diversos significados, sentimentos e laços de identidade, pertencimento e, principalmente, respeito, pelos diversos espaços historicamente apropriados.
O território pesqueiro, portanto, deve ser compreendido como uma articulação de vários territórios – materiais e imateriais – cujos pescadores necessitam do livre acesso e das condições necessárias para o desenvolvimento de suas atividades de pesca, de vida e resistência.
Edição: Jaqueline Deister
1 comentário
Essas experiências populares mostram que e possíveis ações que venham melhorar a vidas das famílias dando automia e segurança alimentar com qualidade.
Parabéns aos organizadores da caritas diocesana de Crateús,e que Silva como exemplo para outras iniciativas.