Nesta quinta-feira (24), completam-se 90 anos da conquista do voto feminino no Brasil. Fruto das ações do movimento sufragista brasileiro desde o início do século XX, o direito das mulheres votarem e serem votadas foi reconhecido pelo Estado em 1932, quando entrou em vigor o primeiro Código Eleitoral do país. Dois anos mais tarde, o voto feminino também passou a ser previsto na Constituição de 1934.
Entre as pioneiras na luta pela participação política das mulheres nas eleições brasileiras estão a educadora baiana Leolinda de Figueiredo Daltro, que ainda em 1910 ajudou a fundar, no Rio de Janeiro, o Partido Republicano Feminino, e a zoóloga paulista, Bertha Lutz, uma das criadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1922.
Também merece destaque a professora potiguar Celina Guimarães Viana, que, por meio de requerimento, se tornou, aos 29 anos, a primeira eleitora do país, participando do pleito em Mossoró (RN) em 1928, quatro anos antes do direito ao voto feminino ser reconhecido em âmbito federal. No mesmo ano e também no Rio Grande do Norte, Alzira Soriano foi eleita prefeita do município de Lajes com 60% dos votos e se tornou a primeira mulher eleita no país.
Atualmente, as mulheres são a maioria do eleitorado brasileiro, contudo ainda sofrem com baixos índices de representação em parlamentos e governos em todas as esferas (municipal, estadual e federal). De acordo com informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições municipais de 2020 as mulheres constituíam aproximadamente 52% do eleitorado e 45% das filiações partidárias, mas ocuparam apenas 15% dos cargos em disputa.
A pequena presença feminina também se repete no Congresso Nacional. Das 81 cadeiras do Senado, apenas 12 são ocupadas por senadoras. Na Câmara dos Deputados, dos 513 parlamentares eleitos em 2018, somente 77 são mulheres.
Mais que votar
Sobre os 90 anos da conquista do voto feminino, a cientista política e professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio), Clarisse Gurgel, lembra que o reconhecimento do direito ao voto das mulheres se deu em um período historicamente marcado pela industrialização brasileira e o ascenso da classe trabalhadora do país.
Segundo a pesquisadora, o estímulo do primeiro governo de Getúlio Vargas ao desenvolvimento da indústria nacional acabou favorecendo também a constituição de um “proletariado urbano” formado por homens e mulheres que passaram a se organizar em sindicatos e partidos para lutar por direitos sociais e políticos. Clarisse explica que, nesse contexto, assim como a posterior Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em 1943, o reconhecimento dos direitos políticos das mulheres pelo Estado fazia parte de um esforço do governo Vargas para conciliar as disputas políticas do país em torno de uma “democracia viável”.
“O direito ao voto tem um sentido de reconhecimento da participação das mulheres, que ali eram uma força que se insurgia em conjunto com a classe trabalhadora como um todo, mas também tem o sentido de segurar essas mulheres através do voto. Porque o voto carrega essa essa dualidade: ele é potência, mas ele também é limitação quando colocado como única e exclusiva forma de participação política”, afirmou a cientista política à Pulsar.
Em contrapartida ao aspecto “restritivo” do voto, Clarisse destaca que a conquista do direito a participar das eleições também trouxe às mulheres da época “um efeito de renovação de ânimos, de esperança e até de aumento do horizonte de desejos”. Mais que isso, em relação ao contexto atual, a cientista política entende que é das mulheres que podem surgir as melhores contribuições no sentido de ampliar a compreensão da participação política para além do voto.
“O direito ao voto é um direito que talvez a mulher seja a mais apta a fazer avançar e fazer transbordar. Como? Através da percepção de que não é só votar, é participar. E não é só participar, mas participar sob uma perspectiva. A perspectiva do ‘ser genérico’, a perspectiva de que ninguém nasceu para uma finalidade tal, ninguém nasceu conforme uma divisão social do trabalho que determina alguns para varrer e outros para pensar”, pontuou.
Protagonistas
Jornalista e integrante da Associação Mulheres na Comunicação (AMC), Geralda Cunha considera a celebração dos 90 anos do voto feminino no Brasil uma oportunidade para “sensibilizar as mulheres em seus espaços de atuação a saírem da condição de colaboradoras para se tornarem protagonistas de suas histórias”.


“Muitas mulheres têm atuação fundamental em suas comunidades, em seu trabalho e até mesmo na militância, mas elas não se dão conta de que têm capacidade de sair daquilo lugar para partir para o mundo da política, representar outras mulheres e defender as pautas do seu grupo. É imprescindível que as mulheres busquem formas de se fortalecerem enquanto cidadãs e busquem ocupar cada vez mais o mundo da política”, defendeu a comunicadora filiada à Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc).
Em relação à participação das mulheres na política brasileira, Geralda recordou algumas conquistas históricas dos movimentos feministas que comprovam que a importância das mulheres no fortalecimento da democracia nacional vai muito além das eleições. Uma delas foi o movimento “Quem Ama não Mata”, entre as décadas de 1970 e 1980, que questionava a absolvição de Doca Street pelo assassinato de Ângela Diniz. A pressão política do movimento não só conseguiu reverter a decisão judicial sobre o caso, com a condenação do agressor a 15 anos de prisão, como também marcou a luta das mulheres brasileiras no enfrentamento à violência doméstica.
Também como resultado da pressão dos movimentos de mulheres, a radialista citou a promulgação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), em 2006, que estabelece mecanismos para coibir atos de violência doméstica contra a mulher, e da Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15), em 2015, que torna o feminicídio uma nova modalidade de homicídio qualificado e o coloca na lista dos crimes hediondos.
Apesar dos avanços, Geralda lamenta que ainda vigore em muitos meios a cultura machista que, segundo ela, reserva às mulheres lugares e funções de subalternidade. De acordo com a jornalista, o machismo estrutural segue como uma das principais barreiras para que as mulheres exerçam protagonismo também na política:
“Para que as mulheres assumam e exerçam sua força e capacidade em pé de igualdade com os homens é preciso que as estruturas partidárias, dos sindicatos e de qualquer segmento que prevê a participação de homens e mulheres comecem a observar e dar condições dessas mulheres estarem ali como protagonistas. Com direitos e deveres e com lugar de fala. É fundamental essa mudança de cultura”, concluiu.