Seis das maiores operadores de serviços por aplicativos no Brasil foram reprovadas em estudo que analisa as relações trabalhistas entre as plataformas e seus trabalhadores.
De acordo com o relatório “Fairwork Brasil 2021: Por trabalho decente na economia de plataformas”, ao longo do último ano as empresas iFood, 99, Uber, Rappi, GetNinjas e UberEats falharam em garantir direitos trabalhistas básicos para seus trabalhadores.
O estudo avaliou as plataformas a partir de cinco critérios: remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação. Na escala de 0 a 10, a maior pontuação alcançada foi 2, pelos aplicativos iFood e 99. O Uber marcou apenas um ponto e as demais operadoras sequer pontuaram.
Segundo os organizadores da pesquisa, embora possam contribuir para a redução das desigualdades e do desemprego, as plataformas digitais de trabalho “vêm contribuindo para a manutenção e, provavelmente, para o agravamento das condições desiguais e precárias do mercado de trabalho brasileiro”.
De acordo com o levantamento, “no último ano, trabalhadores de diferentes plataformas enfrentaram condições de trabalho precárias e perigosas, com inúmeros relatos de problemas de saúde e acidentes”. Remunerações baixas, bloqueios injustos, dificuldade de contato com representantes das empresas e a falta de representatividade e de políticas de combate à desigualdade nas plataformas estão entre as principais queixas listadas pelos trabalhadores.
Vinculado à universidade de Oxford e presente em 27 países, o projeto Fairwork aponta que a baixa pontuação das empresas no Brasil se repete também em outros países da América Latina, onde nenhuma plataforma obteve mais de dois pontos. Segundo os organizadores do projeto, até mesmo em outras regiões do Sul Global – como países da Ásia e África – o contexto tem sido diferente, com os relatórios apontando pontuações mais altas.
Pontuação
Em relação ao princípio de “remuneração justa”, a pesquisa revela que, no Brasil, apenas a plataforma 99 conseguiu demonstrar que todos os seus trabalhadores ganham acima do salário mínimo local – que em 2021 era de R$ 5,50 por hora/ R$ 1.212,00 por mês. Nenhuma das operadoras analisadas conseguiu comprovar que os trabalhadores conseguem obter remuneração acima do salário mínimo ideal calculado pelo DIEESE, de R$ 24,16 por hora/ R$ 5.315,74 por mês.
No item “condições justas”, duas plataformas (Uber e 99) conseguiram evidenciar ações para proteger os trabalhadores de riscos específicos dos serviços prestados, como o fornecimento efetivo de equipamentos de proteção individual (EPI) e políticas claras de seguro contra acidentes e saúde. Segundo o estudo, a maioria dos trabalhadores não tem acesso ao EPI e sofre com a falta de infraestrutura básica como acesso a banheiros, áreas de descanso e água potável. A exposição a riscos como acidentes de trânsito, agressões, exposição excessiva ao sol, problemas nas costas, estresse e sofrimento mental, também foi relatada na pesquisa pelos trabalhadores.
No ponto referente a “contratos justos”, apenas uma plataforma (iFood) conseguiu evidenciar padrões básicos em relação aos contratos, como linguagem clara, compreensível e acessível aos trabalhadores e a notificação sobre propostas de alterações dentro de prazo razoável. No entanto, nenhum dos aplicativos conseguiu provar que seus contratos estavam livres de cláusulas abusivas.
Sobre “gestão justa”, a pesquisa verificou que nenhuma plataforma conseguiu evidenciar canais de comunicação eficazes, processos de apelação transparentes e políticas antidiscriminação. No que diz respeito à “representação justa”, apenas uma plataforma (iFood) conseguiu destacar políticas básicas para garantir a voz dos trabalhadores. De acordo com o levantamento, de um modo geral, os direitos dos trabalhadores à liberdade de associação são muitas vezes limitados pelas empresas e vários trabalhadores relataram já terem sido penalizados por participarem de greves.
Pesquisa
O relatório “Fairwork Brasil 2021: Por trabalho decente na economia de plataformas” foi produzido em parceria com instituições brasileiras, como a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Segundo a organização do projeto, “o trabalho por plataformas é um dos temas centrais da agenda para o país do presente e do futuro” e, justamente por isso, a pesquisa buscou envolver diferentes públicos, como trabalhadores, plataformas, movimentos sociais, partidos políticos, cooperativas, sindicatos e formuladores de políticas.
Apesar do resultado insatisfatório, o texto do relatório destaca como ponto positivo a emergência de coletivos e cooperativas que tem buscado construir outros circuitos na economia de plataformas no Brasil.
“Esperamos, impulsionados pelo lançamento deste relatório, construir esforços coletivos para a luta por trabalho decente nas plataformas digitais, envolvendo todas as instituições interessadas no tema. E esperamos dar melhores notícias da próxima vez”, concluem os pesquisadores.
O relatório pode ser acessado na íntegra no site do projeto.