A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a organização Amazon Watch lançaram, na última semana, um relatório que analisa a atuação de mineradoras e investidores internacionais em territórios indígenas da Amazônia.
Com base em dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), o quarto levantamento da série “Cumplicidade na Destruição” revela como o avanço no Congresso Nacional de projetos de lei como o PL 191/2020 e o PL 490/2007 pode garantir às mineradoras prioridade na exploração desses territórios.
A partir de um mapeamento dos interesses das grandes mineradoras em terras indígenas desde 2020, as organizadoras do relatório garantem que, mesmo após os declarações públicas de gigantes como a Vale e a Anglo American de que abriram mão dos seus pedidos para pesquisa e exploração mineral em áreas indígenas, muitos requerimentos destas empresas seguem ativos no sistema de dados da ANM e, em alguns casos, até aumentaram.
O estudo também destaca que alguns requerimentos foram redesenhados para que as áreas de exploração fiquem contíguas às terras indígenas, o que, segundo a Apib e a Amazon Watch, ainda pode provocar enormes impactos ambientais e sociais.
Relatório
O documento foca nos interesses minerários em terras indígenas de nove mineradoras: Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil, Mineração Taboca e Mamoré Mineração e Metalurgia (ambas do Grupo Minsur), Glencore, Anglo Gold Ashanti e Rio Tinto. De acordo com o relatório, elas possuíam, juntas, em novembro de 2021, um total 225 requerimentos minerários ativos com sobreposição em 34 Terras Indígenas, o que corresponde a uma área que 5,7 mil quilômetros quadrados – mais de três vezes a cidade de Brasília ou de Londres.
“Não é possível seguirmos convivendo com atividades que obrigam os povos indígenas a chorar o assassinato cotidiano de seus parentes, ou a testemunhar a destruição de biomas dos quais são os guardiões para avançar um projeto que não gera desenvolvimento real, mas sim destruição e lucros nas mãos de poucos”, afirma Sonia Guajajara, da coordenação executiva da Apib.
Segundo o levantamento, as terras indígenas mais afetadas são a TI Xikrin do Cateté (PA) e a TI Waimiri Atroari (AM), ambas com 34 requerimentos cada, seguidas pela TI Sawré Muybu (PA), com 21. A etnia mais impactada por estes pedidos de mineração é a Kayapó (PA), com 73 requerimentos.
“É preciso um entendimento geral de que essas áreas não estão disponíveis para exploração mineral e nem devem estar, tanto pelo respeito ao direito constitucional de autodeterminação dos povos indígenas sobre os seus territórios quanto pela sua importância para combater as mudanças climáticas e garantir a vida no planeta. Esse entendimento deve vir do Estado, mas também das empresas (que têm totais condições de saber quais áreas estão pleiteando para sequer protocolar esses requerimentos), e das corporações financeiras que as financiam”, complementa Dinaman Tuxá, da coordenação executiva da Apib.
“Cumplicidade na Destruição IV” detalha ainda, em estudos de caso, os impactos e as violações de direitos protagonizados por cinco mineradoras: Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil e Mineração Taboca. Com apoio do Observatório da Mineração, foram resgatadas as trajetórias desses conflitos e seus desdobramentos atuais, que vão desde a invasão de territórios tradicionais à contaminação por metais pesados e o desrespeito ao direito de consulta e consentimento livres, prévios e informados.
Financiamento
O documento também aponta que dezenas de instituições financeiras também tem colaborado com empresas e projetos que destroem a Amazônia e violam direitos indígenas. A quarta edição do Cumplicidade na Destruição identifica que, nos últimos cinco anos, as nove empresas destacadas no relatório receberam um total de 54,1 bilhões de dólares em financiamentos do Brasil e do exterior.
De acordo com o levantamento, as corporações sediadas nos Estados Unidos continuam entre as principais financiadoras. Juntas, as gestoras Capital Group, BlackRock e Vanguard reúnem USD 14,8 bilhões em investimentos nas mineradoras com interesses em terras indígenas e histórico de violações de direitos. O estudo destaca também a participação de instituições brasileiras no financiamento da grande mineração, como o fundo de pensão brasileiro Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), com mais de USD 7,4 bilhões, e os bancos Bradesco, com quase USD 4,4 bilhões, e Caixa Econômica Federal, com USD 786 milhões.
De acordo com os dados do relatório, a empresa que mais recebeu investimentos e empréstimos nesse período foi a Vale, com USD 35,8 bilhões. O que, para as organizadoras do levantamento, mostra que nem mesmo os sucessivos desastres em Mariana (2015) e Brumadinho (2018) diminuíram o apetite dos investidores com relação à mineradora.
“A pandemia de Covid-19, ao invés de frear o ímpeto extrativista, impulsionou o setor mineral a bater recordes de lucros nos últimos dois anos. Esses bancos e fundos de investimentos ainda consideram que investir em mineração é um bom negócio, ignorando o extenso histórico de violações e impactos provocados por esse setor”, afirma Rosana Miranda, assessora de campanhas da Amazon Watch.
O relatório “Cumplicidade na Destruição IV – Como mineradoras e investidores internacionais contribuem para a violação dos direitos indígenas e ameaçam o futuro da Amazônia” pode ser acessado na íntegra na página: www.cumplicidadedestruicao.org