Desde a noite do último domingo (28), organizações sociais ligadas à liberdade de imprensa têm se manifestado contra mais um caso de violência de gênero contra jornalistas protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
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Desta vez, o ataque foi direcionado à apresentadora do programa Roda Viva, da TV Cultura, Vera Magalhães e transmitido ao vivo para todo o país durante o debate presidencial promovido pela Rede Bandeirantes em parceria com a Folha de S. Paulo, UOL e TV Cultura. Ao ser questionado sobre a queda dos índices de cobertura vacinal no Brasil, o candidato à reeleição acusou a jornalista de mentir, sugeriu que ela teria “alguma paixão” por ele e a chamou de “vergonha para o jornalismo brasileiro”.
“Vera, eu não poderia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim, você tem alguma paixão por mim, você não pode tomar partido em um debate como esse. Fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”, declarou Bolsonaro.
Misoginia
Após o debate, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) emitiu uma nota pública em que se solidariza com a jornalista “pelos ataques misóginos que lhes foram desferidos”. Segundo a ABI, os ataques do presidente e candidato “apenas reforçam a sua falta de preparo para a convivência democrática”.
O texto ainda destaca que a jornalista “estava no exercício profissional, levando ao debate assunto do interesse de toda a população/eleitores que ainda sofrem e choram os mais de 680 mil brasileiros mortos pela falta de responsabilidade do governo durante a pandemia do coronavírus”.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também manifestou seu apoio à profissional nas redes sociais. De acordo com a Abraji, a atitude do ex-capitão no debate “reitera uma prática machista e misógina adotada por ele” e que vem sendo monitorada pela associação.
Violência de gênero
Segundo o levantamento “Violência de Gênero contra Jornalistas”, em 2022 já foram registrados 55 casos de ataques a jornalistas mulheres. Destes, mais da metade (56,4%) contêm discursos estigmatizantes que buscam difamar e constranger as vítimas e 74,2% foram promovidos por autoridades e figuras proeminentes como o próprio presidente da República, seus filhos e ministros.
De acordo com a Abraji, 81,8% das vítimas são repórteres ou analistas e em 43,6% dos casos, elas cobriam temas políticos. O estudo ainda aponta que 47% dos casos de violência de gênero consistem em ataques à reputação e à moral das vítimas, usando a aparência, a sexualidade ou traços sexistas de personalidade para agredir.
Na ampla maioria dos registros (85,5%) os agressores são homens e 45,5% dos ataques partiram de autoridades do Estado. Na lista de agressores, ao lado de Jair Bolsonaro estão seus filhos – o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) –, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, o ex-secretário de Cultura, Mário Frias, além de assessores e seguranças do presidente.
Na mesma linha da ABI e Abraji, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social destaca que o ataque a Vera Magalhães não pode ser considerado um fato isolado. Segundo a organização, em 2021, Jair Bolsonaro foi responsável por 147 casos de agressão contra comunicadores e veículos.
Em publicação nas redes, o Intervozes lembra que, nos ataques, o presidente chegou a utilizar adjetivos como “canalha”, “quadrúpede”, “picaretas” e “idiota”, além de mandar uma profissional calar a boca.
Defesa
Durante o debate, as candidatas Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) protestaram contra a fala de Bolsonaro.
“Quando eu vejo homem sendo ‘tchuchuca’ com outros homens e ser ‘tigrão’ pra cima das mulheres eu não aceito”, disse Thronicke, referindo-se ao apelido dado ao presidente por sua relação com os parlamentares do chamado “centrão” da política brasileira.
“Nós temos que dar exemplos, exemplos que o presidente da República não dá quando ataca mulheres, quando ataca jornalistas. Eu não tenho medo de você e nem dos seus ministros. Recebi violência política na CPI [da Covid-19], fui chamada de descontrolada. Pior que isso, um ministro seu tentou me intimidar. Quero dizer diretamente ao presidente da República: eu não tenho medo de você!”, declarou a senadora Simone Tebet.
Edição: Jaqueline Deister